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A ILUSTRE CASA DE RAMIRES

o orgulhoso sangue que as enfartára. N’um charco, onde elle o mergulhára, viscosas bichas bebiam socegadamente o cavalleiro de Bayão! Onde houvera homizio de solares fundado em desforra mais dôce?

E a fera alma do velho acompanhava, com inexoravel goso, as sanguesugas subindo, espalhadamente alastrando por aquelle corpo bem amarrado, como seguro rebanho pela encosta da collina onde pasta. O ventre já desapparecia sob uma camada viscosa e negra, que latejava, relusia na humidade morna do sangue. Uma fila sugava a cinta, encovada pela ancia, d’onde sangue se esfiava, n’uma franja lenta. O denso pello ruivo do peito, como a espessura d’uma selva, detivera muitas, que ondulavam, com um rasto de lodo. Um montão ennovelado sangrava um braço. As mais fartas, já inchadas, mais relusentes, despegavam, tombavam mollemente: mas logo outras, famintas, se aferravam. Das chagas abandonadas o sangue escorria delgado, represo nas cordas, d’onde pingava como uma chuva rala. Na escura agoa boiavam gordas postemas de sangue esperdiçado. E assim sorvido, ressumando sangue, o malfadado ainda rugia, atravez ultrages immundos, ameaças de mortes, de incendios, contra a raça dos Ramires! Depois, com um arquejar em que as cordas quasi estalavam, a bocca horrendamente escancarada e avida, rompia aos roucos urros, implorando