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A ILUSTRE CASA DE RAMIRES

E momentos depois, na livraria, com um roupão de flanella sobre a camisa de dormir, sorvendo lentos goles de chá, Gonçalo relia junto da varanda essa derradeira linha da Novella, tão rabiscada e molle, em que «os largos raios da lua se estiravam pela larga sala d’armas...» De repente, n’uma rasgada impressão de claridade, entreviu detalhes expressivos para aquella noite de Castello e de verão — as pontas das lanças dos esculcas faiscando silenciosamente pelos adarves da muralha, e o coaxar triste das rans nas bordas lodosas dos fossos...

— Bons traços!

Achegou de vagar a cadeira, consultou ainda no volume do Bardo o Poemeto do tio Duarte. E, desannuviado, sentindo as Imagens e os Dizeres surgirem como bolhas d’uma agua represa que rebenta, atacou esse lance do Capitulo I em que o velho Tructesindo Ramires, na sala d’armas de Santa Ireneia, conversava com seu filho Lourenço e seu primo D. Garcia Viegas, o Sabedor, de aprestos de guerra... Guerra! Porque? Acaso pelos cerros arraianos corriam, ligeiros entre o arvoredo, almogavares mouros? Não! Mas desgraçadamente, «n’aquella terra já remida e christã, em breve se crusariam, umas contra outras, nobre lanças portuguezas!...»

Louvado Deus! a penna desemperrára! E, attento