1817 [1] e correndo solta [2] "vulgarizou um quadro, apparentemente digno de confiança. [3] Ignoro onde pára hoje, e se por ventura o teve á mão um dos paladinos modernos da Infanta que a descreveu do modo seguinte:
«Formosura suavissima, bem revelada na alvura da pelle, no azul celeste dos olhos vividos e na côr loira dos cabellos que por de sobre (sic) uma ligeira coifa, alevantando-se em arredondada frisa até ás fontes,, segundo a moda do tempo, lhe coroavam de ouro a espaçosa e ampla fronte, onde o talento espontaneo evidentemente se expandia.» [4]
Cumpre conferir essas indicações com as que ácerca do quadro da Luz redigiu um dos poucos que desdenham. a erudição da princesa, mas ainda assim não se subtrahem ás suas graças mulheris: um sympathico rosto loiro arruivado, com beiços grossos e olhos azues intelligentes, emmoldurado em altiva gorjeira de cassa. [5]
Ainda numa outra fabrica, custeada pela Infanta, mas realizada depois da sua morte, via-se em tempo de Pacheco, e vê-se hoje, a sua imagem. Fallo do Hospital da Luz, perto do convento (hoje Collegio Militar). Na capella que ficava no meio das enfermarias, dedicada á Virgem dos Prazeres, lá estava a fundadora aos pés da padroeira, offerecendo-lhe aquella obra de architectura, com umas letras que dizem Santa Maria succurre Miseris. [6]
A respeito de uma pintura, de auctor desconhecido, enviada á França em fins de 1541 ou principios de 1542 e que portanto representava a Infanta na flôr da idade, possuimos assentos da propria mãe, numa carta á filha. Accusando a recepção, sem grandes demonstrações de alegria, reprimindo pelo contrario suspiros e lagrimas de desconsolo e medindo cada expressão, a Rainha D. Leonor escreve apenas: Con vuestra pintura, hija, he holgado mucho... pues no puedo ver lo natural. Plega a Dios que pueda ser alguna hora y con vuestro contentamento, que será lo mio! [7] Quão profundas magoas se escondem sob estas phrases singelas — e quanto é preciso lêr entre linhas, o leitor vê-lo-ha no capitulo seguinte. [8]
Ainda outra taboa houve, ou antes taboinha (tabula depicta, tabella, tabellula) pintada um decennio depois, e essa de mão de um artista conhecido, português, que estava habilitado como ninguem para comprehender e interpretar condignamente a alma da Infanta.
Francisco de Hollanda, o já mencionado originalissimo auctor de um tratado extenso sobre a Arte de tirar ao natural, [9] que é unico no seu genero, lembrava-se até morrer com profunda saudade da Italia onde havia estudado com summidades artisticas, conhecendo em intimo convivio a Miguel Angelo e sua Diotima,
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- ↑ A estampa é a 47, na ordem da publicação, cujo titulo deixei consignado na Nota 6.
- ↑ A estampa entrou p. ex. na Collecção de Barbosa Machado, conforme se vê do Indice, publicado por Innocencio da Silva, vol. VII p. 102.
- ↑ Eis o que diz a este respeito o Padre José de Figueiredo: «O retrato que desta Senhora offerecemos he copiado de um quadro do seu mesmo tempo, que a representa ao natural, com muito primor. Conserva-se no Real Mosteiro da Encarnação com grande veneração e devemos á Ex.a Commendadeira a generosa franqueza com que prestou seu consentimento para utilidade do publico.»
- ↑ Conde de Villa Franca, p. 275 da obra citada na Nota 10.
- ↑ Julio de Castilho, Lisboa Antiga, vol. VII, pag. 339. O Snr. Visconde tem o quadro na conta de antigo e da escola portugueza.
- ↑ E' d'este e só d'este quadro que Frei Miguel Pacheco deu noticia na Vida (a fl. 101 v. e 108 v.), infelizmente sem indicar quando e por quem foi pintado. — Quanto á authenticidade, está, portanto, em condições um pouco mais vantajosas do que os quadros da Egreja da Luz e do Mosteiro da Encarnação. — Dos danos que todos estes edificios soffreram em 1755, e das restaurações modernas, nada digo.
- ↑ A carta é de 2 de Março de 1542. Vid. Pacheco fl. 24 ss.
- ↑ Não é impossivel que a taboa pequena, mandada a França, fosse obra de Francisco de Hollanda. O mesmo direi do original reproduzido nas tres pinturas que apontei como existindo em Lisboa, e que todas mostram a Infanta na idade de vinte annos! A data exacta em que o discipulo enthusiasta de Miguel Angelo voltou da Italia, para onde fora no anno de 1538, em viagem de estudo, continua incerta. As ultimas investigações deram apenas em resultado que já estava de regresso em 1545, e talvez em 1543, e que no intervallo entre Novembro de 1543 e Julho de 1545 tirou pelo natural o retrato de D. João III para a filha ausente, a princesa D. Maria. — Vid. Joaquim de Vasconcellos, Francisco de Hollanda, Quatro Dialogos da Pintura, Ed. Vienna de Austria, 1899 p. XXXIX s. — Assentemos a hypothese que depois da morte de D. Leonor, o quadro voltasse a Portugal, ao paço da Infanta, servindo mais tarde de modello aos copistas da Luz e da Encarnação. Mas estabeleçamos tambem o facto que nos tratados de Hollanda não subsiste observação alguma que auctorize essa conjectura. Nem uma só vez menciona a Infanta D. Maria. Portanto o que não é impossivel, figura-se-me pouco provavel. ― E' certo que antes da vinda de Moro, Sunches Coelho, Van der Straten, Christoph von Utrecht, retratistas de merito trabalharam na côrte portuguesa, embora desconheçamos seus nomes.
- ↑ O tratado Do Tirar pelo Natural ainda não teve edição avulsa. Por ora só existe impresso no hebdomadario A Vida Moderna (Anno 1895).