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Antonio Moro (Moor), um dos melhores e mais fecundos retratistas do seculo (1512-88), rival de Holbein e Ticiano, chegou á peninsula cerca de 1550, chamado por Carlos V, ou mandado de Flandres por sua irmã, precisamente quando o primogenito e herdeiro, viuvo desde 1545 de outra D. Maria de Portugal, filha de D. João III, tratava de um novo casamento, visando a nossa Infanta. Moro repartiu então o seu tempo entre Madrid e Lisboa, pintando os soberanos e magnates das duas côrtes. Cá executou, entre outros, dois magnificos retratos dos Reis, os do Principe Real e Infante D. Luiz; lá o da filha de Carlos V, a imperatriz D. Maria, e a princesa D. Joanna, noiva do herdeiro da corôa portuguesa. Quem póde duvidar que pintasse em Portugal a filha de D. Manoel, escolhida para noiva de D. Felipe? e que não só a taboinha de Hollanda mas tambem um quadro em tamanho natural fosse mandado a Castella?

D. Maria contava então trinta annos, idade perigosa para a mulher meridional, segundo o dizer do povo. Mas o caso era excepcional. Chegada apparentemente ao termo de seus desejos, ás culminancias que outras infantas de Portugal haviam attingido antes d'ella (D. Maria só de 1543 a 1545, D. Isabel de 1526 a 1538), officialmente desposada ao futuro senhor do immenso imperio hispanico, a princesa fulgurava como nunca d'antes, em toda a plenitude das suas faculdades, em todo o esplendor da sua gentileza majestatica, acariciando a fugidia esperança de ver afinal acabadas as intrigas interminaveis e deprimentes de que fora alvo.

Ainda assim, Antonio Moro não pôde varrer completamente as sombras de uma dolorosa meditação d'aquella testa alta, espaçosa e geralmente placida. E' que entristecida por repetidas decepções, a filha de D. Manoel mal ousava dar credito ás mais solemnes pro- messas.

Como symbolo de magoas fôra envolvendo o rosto gracioso, de feições tão regulares e puras, e parte do formoso cabello castanho-claro ou loiro-escuro que o emmoldura, [1] num veu tenue que desce ao peito. A mão direita, de afilados dedos aristocraticos, segura uma perola que lhe serve de firmal. Uma lagrima reprimida? Talvez. Todavia o pintor viu e reproduziu apenas uns olhos azues muito limpidos, com expressão serena e franca, suavemente perscrutadora, nos quaes se reflecte uma intelligencia lucida, altiva rectidão, e principalmente um coração valente. Aos labios finos, cerrados por inviolavel sigillo, e ao terço inferior da cabeça, não falta energia.

Essa bocca tão discreta poderia ter contado toda a agitadissima historia do reinado de D. João ш. Da sua prudente resignação dependia a paz da casa real. Mas como o pintor, a nação viu nella12

  1. Resende trata de ruivos os seus cabellos (flavos), e ruivos, como os de todos os membros da casa reinante, são em todos os quadros lisbonenses. Os da mãe eram acastanhados.