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e desinteressado amor pela Infanta, dispunham de um unico meio. E era: desposal-a novamente por palavras de futuro, com qualquer principe muito criança. Escolheram dois. O primeiro era o Duque de Orléans, filho mais novo de Francisco 1, proposto e protegido pelos Reis Christianissimos, igualmente interessados na realização do plano, — a Rainha com saudades da filha, o rei para se apoderar dos seus avultados bens de fortuna. O segundo pretendente, apresentado pelo Cesar, era o Archiduque Maximiliano, filho e herdeiro del-Rei dos Romanos Fernando de Hungria, e futuro Imperador d'Allemanha (1558). Restava ouvir a decisão de D. João III. Este depois de longas hesitações desculpou-se com a pouca idade da princesa e com outras razões mais politicas de que verdadeiras. Em vista d'isso, o Cesar decretou que o Duque d'Orléans se fiançasse com a filha do Rei dos Romanos e que o Archiduque fosse reservado para a sua propria filha: «Pelo que diz respeito á Princeza de Portugal, porque a sua idade admitte alguma dilação, julga, confiando nas virtudes da Infanta e nas de sua mãe, fazel-a consentir n'estes casamentos. (1540) [1]

N'este momento D. Leonor perde a paciencia. Magoada pela indifferença e pelas infidelidades do voluvel marido, indisposta seriamente contra as intrigas politicas do Imperador, e as hesitações do enteado, decide mandar vir a filha, tomando então o negocio do casamento entre mãos, já que nenhum dos tres paes o tratava com verdadeiro empenho. Era o unico meio de tornar a ver sua filha. Francisco I concordou facilmente com esses desejos e despachou para Lisboa o Bispo de Ade (1542) como enviado extraordinario, reclamando a entrega da Infanta com todos os seus bens, numa forma cortês, mas com muita insistencia. A entrega, porém, não convinha a Carlos V, o qual, embora lhe agradasse annuir aos pedidos de sua irman predilecta, não podia ver passar, sem receio, os grandes cabedaes da sobrinha para as mãos de um rival poderoso e perfido.

Traça por isso um novo plano. Dirigindo-se à Rainha de França, sua irman, expõe-lhe os perigos que podiam advir da entrega do thesouro, que forçosamente alimentaria novas guerras entre a França e Hespanha. D. Leonor hesita de novo, desconfiada e perplexa, diante da alternativa de prejudicar o Imperador afim de ver sua filha, ou de sacrificar a sorte de D. Maria para favorecer a politica hespanhola. Atras do bispo-embaixador manda um mensageiro com instrucções secretas á Infanta, tendentes a neutralizar as instancias do diplomata, instrucções que se resumiam numa exigencia unica, impossivel de cumprir-se, como bem sabia. Reclama, ou melhor, manda reclamar pela bocca da filha, a entrega immediata do dote, em cumprimento do que se havia tratado com D. Manoel. [2] Mas onde havia20

  1. 70 Ib. III p. 275 e 282 e ss.
  2. 71 As clausulas do contrato de casamento não eram bem claras. Disputou-se longamente, se lhe competiam 200 ou 400 mil dobras de ouro, e tambem sobre o prazo em que havia de ser entregue o patrimonio de D. Manoel. O nascimento e fallecimento de um filho varão de D. Manoel e D. Leonor, o Infante D. Carlos, complicara o caso. Vid. Pacheco, cap. IX e Parte II, f. 186-204.