D. João III de ir buscar a somma enorme de um milhão de cruzados, em face de um thesouro vasio, de um paiz exhausto pelas empresas maritimas, e que tinha dado as reservas para tres casamentos successivos de familia, o d’El-Rei com a Rainha D. Catharina em 1524, o de sua irman, a formosíssima Infanta D. Isabel, com o Cesar (a qual levara em 1526 um dote opulentissimo), e finalmente em 1543 o de sua filha, a Infanta D. Maria, com o Principe D. Felipe de Castella que custou a Portugal 400:000 cruzados? [1]
Em publico finge não poder separar-se de sua irman, a quem criara desde a idade de seis meses como sua própria filha, com desvelo encarinhado amor, nos tratos e costumes da sua côrte. Lembra que seria contra o decoro deixá-la sahir de sua casa e do reino, sem primeiro estar honradamente arrumada. Particularmente, em conversa com a pudibunda joven, pondera hypocritamente os perigos da côrte francêsa, e quão mal lhe estaria ir-se para Paris, vistas as deshonestidades que ali se praticavam! Promette quatro contos annuaes para seu gasto, e pede que não mais lhe falle em similhante projecto.
Oh! espectáculo odioso! Que rede de intrigas em torno da Infanta! Carlos V intercepta os correios portugueses, expedidos a França. Francisco I manda a Portugal um indivíduo como espia das cousas de Castella. D. João III colloca ao pé da irman uma mulher, que lhe dá, de continuo, aviso de quanto em sua casa se passa. D. Leonor contraria clandestinamente as instrucções officiaes que dera ao seu proprio embaixador.
E a Infanta? Quaes foram os seus pensamentos? Estaria do partido da mãe, que mal conhecera, pois a separaram d’ella aos dois annos? Inclinar-se-hia a favor dos reis, em cuja côrte fôra criada? Traçara, por ventura, um plano seu, proprio? Pensaria em casar em Portugal, impellida por desejos de uma vida desafogada e independente? Não faltaria quem lhe revelasse as verdadeiras intenções de D. João III, descobrindo enredos aviltantes, que deviam ferir profundamente a sua dignidade?
E’ impossível responder a taes perguntas. Fallecem-nos os documentos. Se a Infanta tivesse tido um confidente ou trocado cartas com uma amiga, um irmão, ou com a mãe; se houvesse confiado suas impressões corajosamente a um diario, livro de memórias e confissões, quão cheias de interesse não seriam essas paginas, desabafo de um espirito torturado, mas superior!
A embaixada do Bispo de Ade foi inutil! Vencidas mais uma vez, a mãe e a filha procuram remedio nas suas virtudes, segundo a receita do Imperador!
Os projectos de casamento nem por isso acabam. Tendo mor-
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- ↑ 72 D. João III tambem deixou de satisfazer por inteiro a sua legitima paterna ao Infante D. Luiz.