Página:A infanta D. Maria de Portugal e suas damas.djvu/34

rido a primeira mulher de D. Felipe em Julho de 1545, ao dar a vida ao desgraçado principe D. Carlos, e não encontrando outra alliança mais vantajosa, o Imperador cada vez mais apertado pela mãe da Infanta, viuva de Francisco I desde 1547, lembra-se de casar o filho com a Infanta. [1] Encontra porém como sempre a surda resistencia de D. João III, o qual, depois de novas delongas, declara redondamente, não poder dar o seu consentimento, porque assim cumpria a bem de seus reinos e de sua real fazenda. Repugnava-lhe talvez vêr occupado o logar da filha idolatrada, que sempre fora fraca e doentia, pela bella e robusta pupilla? O Imperador, obrigado a desistir, forja novos projectos, escolhendo para noivo da princesa o Archiduque Fernando, filho segundogenito do Rei dos Romanos. D. Maria regeita-o todavia, na supposição que as negociações com o Principe de Castella continuavam em bom caminho, e que breve as suas intimas esperanças se realizariam.

E realmente, as combinações de Carlos v falham. Mas o consorcio da Infanta com Felipe reapparece, d'esta vez sob bons auspicios. D. João ш já não acha subterfugios; o contracto é rubricado depois da troca dos retratos; a Infanta assigna, officialmente, como Princesa de Castella; e como Princesa de Castella e futura rainha do immenso imperio em cujas fronteiras o Sol nunca desapparecia, a celebravam poetas e panegyristas.[2] Emfim, o embaixador do Cesar, Ruy Gomes da Silva, Principe de Eboli, aguarda em Lisboa, com luzidissimo cortejo, as ultimas ordens para a « receber ». Eis senão quando, vinte e quatro horas antes do desposorio, chega um correio de Castella, com o seguinte despacho laconico:

« En este ponto tengo aviso que es muerto Eduardo (VI), Rey de Inglatierra, a quien sucede Maria, su hermana. Si no está celebrado el desposorio con la Infanta D. Maria de Portugal, suspenda-se por aora. » [3] (6 de Julho de 1553). [4]

E ficou suspenso! D. Felipe de Hespanha pediu e obteve a mão da dura, fria e feia Maria Tudor (1554), já quasi fiançada ao Infante D. Luis. Antonio Moro correu para pintar essa noiva nordica. Ella lá está no Prado, perto das Marias meridionaes; sentada, brincando com uma rosa, mas com que expressão seca e concentrada na cara angulosa. [5] D. Leonor e D. Maria, joguetes nas mãos do imperador, que se consolem com a antiga receita!

A Infanta consola-se, ou antes resigna-se. Dotada de animo grande e espirito levantado, de accordo com a sua alta posição, revelando a generosidade propria de nobres caracteres, perdoa tantos e tão repetidos aggravos, o desvanecimento das suas mais risonhas esperanças. Sem uma queixa, sem um reparo, com discreta reserva, põe22

  1. 73 Já alludi aos boatos indecisos, relativos a projectos de casamento entre Carlos V e a Infanta.
  2. 74 Entre os escriptores que alludiram entre 1545 e 1555 ás sempre baldadas tentativas de dar estado à Infanta, e ao seu intimo desejo de subir ao throno de Hespanha, contam-se André de Resende, Jeronymo Osorio, João de Barros, Manoel da Costa e Luisa Sigea. Esta, ao prometter-lhe um throno (em 1546), vaticinando, não deixou de accrescentar que sem a voz divina que lhe desvendara o futuro da Infanta, não lhe teria dado fé (ego qua Infantis causa dubitare solebam.) — E' significativo, não é verdade?
  3. 75 Vid. Pacheco I p. 46.
  4. 76 Quanto à impressão produzida pelo incidente, Pacheco cinge-se ás informações do insigne Dr. Martim Azpilcueta Navarro, testemunha de vista, pois vivia em Portugal desde 1537. Este erudito, theologo entre os juristas e jurista entre os theologos, patenteia a dolorosa suspensão dos que queriam bem à Infanta, quando declara que todos se accusavam lacrymosos das suas culpas e pediam continuamente a Deus para que não se esquecesse d'ella, nem permittisse que outra princesa estranha lhe fosse preferida!
  5. 77 Museu do Prado, N.o 1484 (1446).