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termo a tudo. Renuncia a qualquer enlace; resolve ficar solteira e no reino, no meio das suas amigas, dos seus livros e dos seus pobres, entregue d'ora avante ás sciencias e artes, a obras de caridade e cuidados religiosos. Despede-se do mundo e de seus enganos, preferindo a placidez da vida contemplativa, o ideal de Rachel-Maria, aos cuidados e conflictos da vida activa de Lea e Marta.

Uma testemunha de vista que observou a Infanta depois de 1557 dizia della: «Es persona de grande entendimiento y cordura, muy reposada y de pocas palabras e bien dichas; es de las valerosas personas que he visto y temen-se sus determinaciones como de tal; que no son de mujer moza... Tiene otros fines muy santos y honrados, y sin hazer estremos en ello, ha mas de dos años que se ensaya en un vestido e recojimiento muy bueno, y mucha oracion, y esto no como hypocrita, sino como conviene a su edad y persona.» [1]

Mas D. Leonor, a mãe, nunca se conforma. Sentidissima do passado, offendida com o ultimo escandalo, corre de Flandres a Castella, acompanhada de sua energica irmã, a Rainha de Hungria. Chegada a Madrid, despacha para a corte de Portugal uma serie de cartas, cheias de queixas amargas, mal dissimuladas no meio de formulas diplomaticas, sollicitando, ou melhor, exigindo terminantemente a partida da Infanta.[2] Um embaixador especial, D. Juan de Mendoza, vem entregar estes papeis, sendo apoiado nas suas exigencias pelo enviado extraordinario de Carlos v, D. Sancho de Cordova, cujas palavras acabo de citar. [3]

D. João III, resolvido a não ceder, ensaia nesta occasião uma nova tactica. Depois de ter feito abortar tantos planos de casamento, finge tomar agora a iniciativa, agora quando devia ter a plena convicção de que a irman, enfadada e desilludida, regeitaria, sem a menor hesitação, toda e qualquer corôa que lhe offerecessem.

Os novos pretendentes, propostos pelo carinhoso irmão, são já nossos conhecidos: o archiduque Fernando e seu velho pae, irmão do Imperador, ou, por outra, o já caduco Fernando d'Austria que ia occupar o throno allemão.

A Infanta recusa decididamente; e, como El-Rei insiste hypocritamente, apertando sobre coisas que elle mesmo não queria, a victima perde a paciencia, e cheia de indignação, responde de viva voz, em presença da corte toda: Quando se ofrecian negocios que tratar, que parecian buenos, andava V. A. en dilaciones, y de feria en feria, sin querer-los concluir, y agora que no ay ninguno, me sale con esso? Pues aunque fuesse Monarca del mundo, no lo haré, ni se ha de pensar tal cosa de mi!

E neste proposito ficou.

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  1. 78 D. Sancho de Cordova. Vid. Pacheco f. 58 e 59.
  2. 79 «Quien ponderare las palabras de estas cartas verá que aunque se acompañan del res- peto y cortesia con que suelen tratar-se entre si los Principes, tambien llevan mezcla de otras que insinuan agravios muy sensibles y que pestanean rompimento quando se falte al desagravio.» Pacheco f. 54.
  3. 80 São do mesmo embaixador as seguintes palavras, relativas a D. Leonor: «porque se apasiona mucho de ver las maneras que traen aqui para que no aya efecto lo que desea.» Pacheco f. 57.