O leitor hade imaginar que as peripecias da tragi-comedia acabam aqui; mas engana-se. D. João III, continuando a fingir-se em extremo desejoso de ver casada a Infanta, despacha um agente muito habil à corte de Carlos V. Este igualmente desejoso, só espera ver concluido o interminavel negocio da Infanta para se retirar a S. Juste! Lourenço Pires de Tavora vem, por combinação de ambos, com as propostas já regeitadas por D. Maria, e regeitadas tambem pelos noivos, os quaes não queriam casar! Com as mesmas propostas iam as mesmas antigas instrucções, que se podem resumir na formula: propôr e dilatar, fingir uma cousa, guardando-se da outra. Mas os artificios estavam estafados; já não illudiam ninguem. D. Leonor resiste e teima em querer levar a filha. El-Rei apparenta concordar na entrega. Antes de effectuada, morre porém (Junho de 1557).
Quem acredita que, se vivesse, teria cumprido a promessa? Eu não.
A sorte da Infanta e sua bondade impressionaram profundamente o povo, cujos clamores a haviam arrancado, em tempo, dos braços de sua mãe. Fazendo seu o querer do soberano, exactamente como na primeira conjunctura, não quis deixar partir a que era o amparo dos pobres, protectora dos poetas e dos sabios, e que havia partilhado todas as dores e alegrias da nação durante 36 annos. Concedeu-se-lhe, porém, licença para uma entrevista na raia do reino, mas só depois de a Infanta ter prestado juramento solemne de voltar em breve para Lisboa e de não transigir com os desejos da mãe.
D. Leonor, anciosa e afflicta, estava em Badajoz, á espera, havia dois meses! Finalmente, em dezembro de 1557, a Infanta chega com sequito apparatoso, brilhante não, porque ambas ainda trajavam dó, por morte de D. João III. Vinte dias passaram juntas, recordando, entre sorrisos e lagrimas, os innumeros incidentes que as tinham martyrisado durante os ultimos vinte annos. Depois, D. Maria recolheu a Lisboa, fiel á sua promessa, apesar das vivas instancias da mãe que, além dos seus carinhos, lhe offerecia todas as riquezas e estados que possuia. [1] O povo da capital recebeu-a com sinceras demonstrações de alegria. Celebrou-se mesmo um solemne Te Deum laudamus, em acção de graças pela sua lealdade.
A mãe não pôde resistir á dôr da partida. Passados dias succumbiu a uma febre maligna, a tres legoas de Badajoz (18 de Febr. de 1558).
Triste desenlace que a todos commoveu. Mesmo o austero Goes que nem uma palavra de louvor, compaixão ou sympathia concede á Infanta, apiedou-se das angustias da mãe que « sobre todalas cousas do24
- ↑ 81 Varios escriptores estrangeiros censuram esta resolução da Infanta, acoimando-a de filha pouco affectuosa. Desculpando-a, o Conde de Villa Franca cahe no exagero opposto, affirmando que D. Maria idolatrava a mãe. Se fez bem em cumprir a palavra dada, talvez teria feito melhor em não dar nenhuma, salvaguardando o seu livre arbitrio. Mas nesse caso, a nação teria, seguramente, desvirtuado as suas intenções, chamando-a ingrata, sem patriotismo, descaridosa com os seus pobres. E caso se rebellasse, seria apodada de virago emancipada. Na situação falsa em que as circumstancias a haviam collocado, qualquer resolução estava sujeita a interpretações malevolas. Victima em tudo, não chegou a ser heroina tragica.