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O herbanario escutou-o com admiração e sobresalto.

Porque a verdade era que o herbanario sentia pelo conselheiro uma predilecção que a tudo sobrevivia, que nada podia destruir. Similhava o affecto que alguns paes sentem pelos filhos, de quem só teem recebido desgostos, affecto que parece robustecer tanto mais, quantos mais motivos ha para a esfriar.

Pouco depois mestre Pertunhas confirmou a noticia do facultativo.

Foi então que o herbanario, dominado por energia febril, quiz erguer-se do leito, e, apoiado no braço de Augusto, que em vão tentou dissuadil-o, se dirigiu á igreja para votar. O resultado sabem-n’o os leitores.

Todas estas causas, e a ultima, a morte do amigo, acabaram por quebrar o alento a Augusto. Facil é, pois, de conceber qual o estado do seu espirito ao entrar no cemiterio.

Oração ou meditação, por muito tempo durou aquelle tributo de saudade, que o aspecto sombrio da tarde e a melancolia do logar e da hora mais solemne faziam.

Passados alguns momentos, sentiu Augusto que alguem se approximava d’elle. Voltou-se. Era o Cancella, que tambem viera rezar junto do tumulo da filha.

Não era o Cancella já o mesmo robusto e alegre aldeão que vimos, dominado pelo enthusiasmo, sobre o tablado rustico, representar com applauso o tyranno perseguidor do Messias. Desde a morte da filha parecia outro. Triste, avelhentado, emmagrecido, nem tinha fôrças para o trabalho, nem coração para alegrias.

Dir-se-ia que a filha lhe partira com a alma, e que era um cadaver o que se movia alli.

— Ah! logo vi que era o sr. Augusto — disse o pobre homem, estendendo a mão, que Augusto apertou com affecto. — Só nós temos amigos aqui.