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— É verdade, Cancella. Ou só nós, fóra d’aqui, não temos outros, pelos quaes esqueçamos estes, que ahi dormem.

— Eu decerto que não! Está-me toda a alegria, está-me todo o coração debaixo d’aquella pedra — disse o Herodes, apontando para o tumulo da filha. — Com mais de quarenta annos, que nova vida se pode principiar?

— Ha quem aos vinte já não tenha coragem para principiar outra!

O Cancella olhou fixo para Augusto ao ouvir-lhe estas palavras.

— Fala de si, sr. Augusto?... Não tem razão. Que são as suas dores ao lado da minha? Se ainda não experimentou o amor e as alegrias de pae, como ha de imaginar a dor, que a morte de uma filha unica nos traz ao coração?... A minha pobre Ermelinda!... Parece-me ainda impossivel o têl-a perdido!... Queria a esse velho, sr. Augusto!... E com razão, que era seu amigo e quasi um pae para si... mas não é sem remedio a sua saudade, verá... A minha porém...

Augusto sorriu amargamente.

— Tu sabes lá, homem, o que eu tenho no coração?

N’isto chegou-lhes aos ouvidos um vozear distante, com um rumor de acclamações e applausos. Eram os clamores dos grupos populares, celebrando a victoria do conselheiro.

Os sons da trompa do mestre Pertunhas dominavam todos os mais.

— Uns riem, emquanto outros choram — disse o Cancella. — Ha alegria acolá.

E designou com o dedo o Mosteiro, cujos telhados se avistavam d’alli.

— Ha... — respondeu Augusto, pensativo. — Somos de mais n’esta terra, meu pobre Cancella; nós, os infelizes.

— Por isso parto ámanhã.