MONTEIRO LOBATO
149

— Quem deve ficar furioso é S. Pedro, disse a boneca. Eu, se fosse elle, suspendia o céu um pouco mais para cima.

Narizinho tapou com a mão a bocca da boneca.

— Nasci num arranha-céu, continuou o gato, e criei-me na rua. Fui o gatinho mais travesso da America, o mais atropelador dos camondongos. Depois que cresci, atirei-me para cima das ratazanas com tamanha furia que quasi todas se mudaram da cidade.

Um dia me deu na cabeça viajar. Fui ao porto e vi lá uma porção de navios, uns mais novos, outros mais velhos. Escolhi o mais velho, calculando que nelle devia haver mais ratos. Entrei sem pagar passagem e fui para o porão. Assim que entrei, a rataria disparou e só pude apanhar quatro. No dia seguinte peguei dez. No terceiro dia peguei vinte. No quarto...

— Pegou quarenta! disse Emilia.

— Não, trinta e um só! corrigiu o gato. E assim durante quinze dias. No fim desse tempo estava gordo que nem um porquinho e deixei a rataria em paz. Foi nessa occasião que aconteceu o desastre.

— Que desastre?

— Espere. Estava eu comendo o ultimo rato que comi no navio, quando rompeu lá em cima um berreiro. Subi ao tombadilho para ver o que era e encontrei o capitão dizendo que o navio tinha batido numa pedra e ia afundar.

— Crédo! exclamou tia Nastacia, que estava cochilando e acordou nesse ponto. Devia ser um quadro muito triste...

— Sim, ia afundar, continuou o gato. Tinha arrebentado a prôa e estava bebendo agua que nem uma esponja. Os marinheiros corriam de um lado para outro, como doidos. Uns tomavam os escaléres, outros amarravam á cintura os salva-vidas, outros lançavam-se á agua.

Eu disse commigo: "E agora, Felix, que vae ser de ti?" Pensei, pensei, pensei e por fim tive uma idéa, A unica sal-