MONTEIRO LOBATO
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tou ensinando o "abc" a este analphabeto, que anda roxo por lêr a historia do Pégaso, do Bucephalo, do cavallo de Troia e outras cavallencias celebres.

Narizinho não gostava de passear só, porisso correu os olhos pela sala em procura de algum outro companheiro. Só viu o triste irmão de Pinocchio, que Pedrinho havia jogado para cima do armario.

— Coitado! exclamou. Porque é feio como o Diogo e morto como um defunto, ninguem faz conta delle. Vou leval-o commigo. Talvez que os ares do ribeirão lhe façam bem.

Pescou-o de cima do armario com o cabo da vassoura e lá se foi com elle ao pomar, rumo do ribeirão, onde morava aquelle velho pé de ingá de enormes raizes de fóra. Sentou-se na "sua raiz" (havia uma outra de Pedrinho e uma outra do visconde), recostou a cabeça no tronco e cerrou os olhos, porque o mundo ficava tres vezes mais bonito quando cerrava os olhos.

De todos os lugares que existem era aquelle o que Narizinho gostava mais. Fôra alli que vira pela primeira vez o Principe Escamado e era alli que costumava pensar na vida, resolver seus problemazinhos e sonhar castellos de assucar candi.

O sol ia descambando no horizonte ("horizonte" era o nome que Emilia dera a um morro atraz do qual o sol costumava se esconder) e seus ultimos raios vinham brincar de accende-e-apaga-brilhinhos na correnteza, com grande alegria dos peixes, que davam pulos no ar para apanhal-os

De repente ouviu-se um bocejo — ahhh! Olhou. Era Fazdeconta que se espreguiçava, como quem sae de um longo somno.

Narizinho achou aquillo a coisa mais natural do mundo e apenas disse:

— Ora graças! Eu sabia que os ares do ribeirão fariam você viver e porisso trouxe você cá.