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O IRMÃO DE PINOCCHIO

— Eu sempre fui vivo, respondeu. Não mudei. Não mudo nunca. Quem muda são vocês, creaturas humanas. Você mudou, Narizinho.

— Como isso? exclamou a menina franzindo a testa. Estou no que sempre fui...

— Parece. Tanto mudou que está entendendo a minha linguagem e vae vêr uma coisa que sempre existiu neste sitio e no entanto você nunca viu. Olhe lá!

A menina olhou para onde elle apontava e realmente viu um bando de lindas creaturas, envoltas em véos de finissima gaze, dançando de mãos dadas por entre as arvores do pomar. No meio dellas estava um estranho ente de orelhas bicudas como as de Mephistopheles, dois chifrinhos na testa e cauda de bode. Soprava musicas numa flauta de Pan, isto é, uma flauta feita de canudos incões, tal qual a casa de barro que umas vespas chamadas "Nha Inacinhas" haviam feito na parede dos fundos da casa de dona Benta.

— Oh! exclamou a menina recordando-se. Ainda hontem vi num dos livros de vóvó uma gravura com uma scena igualzinha a esta. São as nymphas do bosque e o homem é um fauno.

Apezar de ter falado baixo, os dançarinos ouviram aquellas palavras e, não se sabe porque, fugiram numa corrida louca em todas as direcções. O fauno até deixou cahir sua flauta.

— E' minha agora! gritou Narizinho correndo a apanhal-a. Ganhei uma flauta de Pan!...

Mas, ai! Agarrou a flauta com tanta força que a moeu, porque era de barro e estava cheia de vespas, que voaram numa grande afflicção atraz das nymphas. Só ficou uma, presa entre o pollegar e o furabolos da menina.

— Que vespa exquisita! exclamou ella, examinando attentamente a prisioneira. Parece uma velhinha coróca.

— Hein? murmurou Fazdeconta chegando-se. Estou conhecendo esta vespa. Quando o tronco de pau de que fiz