MONTEIRO LOBATO
233

Dei-lhe uma idéa tão bôa e o bobo me mandou lamber sabão. Bobão!

— Pedrinho, quando está trabalhando, não gosta que ninguem o atrapalhe, você sabe.

— Mas eu...

— Cale a bocca e venha me ajudar na costura. Estou acabando este sol para começar o saiote com que você vae correr no cavallo.

— Que bom! Mas eu tambem quero um sol atraz.

Narizinho deu uma risada.

— Isso é um desproposito, Emilia! Sol, só os palhaços usam. Você, quando muito, poderá ter uma lua.

— Lua cheia ou mingoante?

— Acho que quarto crescente fica melhor.

Emilia bateu o pé.

— Quarto não quero. Quero sala crescente!

A menina riu-se de novo e abraçou-a, dizendo:

— Assim, é assim que gosto de você, Emilia. Bem asneirenta — e não sabichona como tem andado ultimamente. Asneira de boneca é a unica coisa interessante que ha neste mundo.

— E no outro mundo?

— No outro ha muitas. Ha caveiras, corujas, ha fadas, nymphas, sacys, sereias e ha o famoso Peter Pan que Fazdeconta ficou de convidar para fazer-nos outra visita.

— E elle vem?

— Não sei, mas acho que vem. Peter Pan me parece um grande moleque — e os moleques gostam muito de circo.

A conversa das duas continuou naquella toada por longo tempo. Emquanto isso, Pedrinho fez os ultimos buracos e começou a fincar os paus. Finca que finca, bate que bate, socca que socca — tres dias levou naquillo, suando que nem vidraça em manhã de frio lá fóra. O circo foi tomando cara de circo de verdade, e quando Pedrinho armou o panno, ficou tal qual o circo Spinelli.