MONTEIRO LOBATO
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meiro, provando que o santo numero dois da floresta era justamente o tigre.

A scena repetiu-se com todos os animaes de musculos valentes e dentuça afiada. Todos viraram santos. Por fim chegou a vez do burro.

— Pondo a mão na consciencia, não me sinto culpado de coisa nenhuma, disse a burrissima creatura. Só como capim e outras hervas. Nunca matei um mosquito. Se motuca me morde, o mais que faço é espantal-a com o espanador da cauda. Nunca furtei. Nunca tomei a mulher do proximo. Nem coices dou, porque soffro duma inchação nos pés, muito dolorosa. A consciencia de nada me accusa.

Assim que o burro concluiu, todos os animaes se entreolharam. Era muito grave aquella confissão do burro! A raposa adeantou-se e falou, como interprete do pensamento geral.

— Eis o grande criminoso, Majestade! disse ella apontando para o pobre burro. E' por causa delle que o céu nos mandou esta epidemia. Elle tem que ser o sacrificado. Não dá coices, confessou, "porque tem os pés inchados". Quer dizer que se não tivesse os pés inchados andaria pelo mundo a distribuir coices como quem distribue cocadas. Morra o miseravel burro coiceiro!

— Morra! Morra! gritaram mil vozes.

Vendo aquillo, o rei tambem indignou-se.

— Miseravel burro de carroça! berrou elle. E' por tua causa, então, que o meu reino está levando a bréca? Pois te condemno a ser estraçalhado immediatamente pelo carrasco da côrte. Vamos, tigre, cumpre a sentença do teu rei!...

Os olhos do tigre-carrasco brilharam, Estraçalhar animaes era o seu grande prazer. Lambeu os beiços e armou bóte para lançar-se contra o tremulo burro. Mas ficou no bóte. Uma enorme pedra lhe cahiu do tecto da caverna bem no alto da cabeça — plaf!