MONTEIRO LOBATO
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— Um pouco, muito obrigado! foi a resposta do deLicadissimo animal, que ainda por cima lhe agradeceu com os olhos — uns olhos muito brancos, ansiados das agonias da morte.


V — FIM DO VISCONDE DE SABUGOSA


— E o visconde com a minha canastrinha? lembrou Emilia. Vieram os "dois" amarrados á crina do burro mas alli já não estão.

Sumira-se o visconde, ninguem sabia como. Devorado pelo passaro Roca? Afogado naquelle mar immenso? Impossivel saber.

Emilia ficou aborrecidissima, não tanto pelo visconde, apezar de serem muito camaradas, mas pela canastrinha que com elle se perdera. Só se consolou quando dona Benta lhe prometteu dar outra ainda mais bonita.

Subito Narizinho, que se afastara do grupo para fazer uma collecção dos caramujos vermelhos que as ondas arremessavam áquella praia, gritou:

— Corram! Achei o visconde!...

Todos correram para lá, e de facto viram o pobre visconde semi-enterrado na areia, morto, completamente morto!... Tinha-se afogado, sendo trazido para alli pelas ondas.

Pobre visconde! Sem cartola, de lingua de fóra, olhos cheios de areia, corpo metade comido pelos peixes...

Todos se commoveram profundamente, sobretudo ao verem que não largára a canastrinha. Fiel como um cão, cumpridor da palavra como um verdadeiro nobre, perdera a vida, mas não perdera a carga que lhe fôra confiada!...

Até o senhor de Munkausen se commoveu. Descobriu-se, cruzou os braços e ficou, de mão no queixo, a contemplar aquelle triste fim.

Emilia, porém, demonstrou mais uma vez que não tinha coração. Em vez de derramar uma lagrima, ou dizer umas