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Cada existencia canta-lhe uma nota
Repassada de mystica harmonia,
Alegre ou melancolica;
Musica mysteriosa ao vulgo ignota,
Como a que matinal além nos guia,
Como de harpa colica.

Entretanto seu fado é bem medonho,
O abysmo de su’alma não tem fundo,
Mesmo aos olhares seus:
O mundo para elle é como um sonho,
Elle crêa em seu cáhos um outro mundo,
Que povôa de Deus.

E’ que a fonte da vida um Deus sómente
Póde lavar-lhe a sêde do infinito
Que su’alma devora;
Su’alma é como a lampada pendente
No altar, ou como a myrrha em sacro rito,
Que ardendo se evapora.

Cumpre, ó vate, cantando, o teu degrêdo;
E um hymno sólta em teus finaes momentos
Do mundo entre os baldões;
Qual bellico cantor que exhala quêdo
Na mavorcia tuba os ultimos alentos
Ao troar dos canhões.