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CARTAS DE INGLATERRA
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Egypto, uma outra invasão de gafanhotos, descendo — não do céo, onde ruge a colera de Jehovah, mas dos paquetes do Mediterraneo, com a sua chapeleira na mão — a alastrar, devorar as riquezas do valle do Nilo. E este prejuizo não é especial ás classes incultas: o pachá mais bem informado, educado em França, lendo como nós a Revista dos Dous Mundos, nunca reconhecerá o que o Egypto deve á energia, á sciencia, ao capital europeu; para elle, como para o ultimo burriqueiro das praças do Cairo, o europeu é mais que o intruso — é o intrujão.

O arabe de modo nenhum se julga inferior a nós; as nossas industrias, as nossas invenções não o deslumbram; e estou mesmo que, do calmo repouso dos seus harens, o grande ruido que nós fazemos sobre a terra, lhe parece uma vã agitação. Elle sente por nós o pasmo misturado de desdém que póde sentir um philosopho, vendo trabalhar um pelotiqueiro. O pensador diz comsigo que não é capaz de equilibrar uma espingarda sobre o nariz, e lamenta-o; mas consola-se reflectindo que o saltimbanco não é susceptivel de ligar duas idéas. Assim, o mussulmano admira um momento o nosso gaz, os nossos apparelhos, os nossos realejos, todo o nosso genio mecanico; depois cofia a barba, sorri, e pensa comsigo: «Tudo aquillo prova paciencia e engenho, mas eu tenho dentro em mim alguma cousa de melhor,