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CARTAS DE INGLATERRA

N’outra casa é uma fresca e loura creaturinha de desoito primaveras, puro lyrio domestico, que faz a leitura do Times a um velho tio general, tolhido de gotta, reliquia veneranda das guerras peninsulares; o velho escuta, pouco attento á politica do dia que detesta, mas muito ao encanto d’aquella voz d’oiro ao seu lado; de repente, porém, o pobre anjo gagueja, pára, faz-se da côr d’uma rosa, treme, a sua vergonha é tal que lhe saltam as lagrimas dos olhos, e foge, deixando o immundo Times nas mãos do general assombrado: — ou então, caso peior, a doce rapariga, na sua candura de flôr d’estufa, não comprehende, imagina que aquillo é politica, continua a ler com a sua voz d’oiro, — e o veneravel tio ouve de repente sahir dos labios de botão de rosa, feitos só para murmurar o que ha de mais casto na musica de Weber, um enxurro torpe de babugens lubricas.

É medonho! E uma feição curiosa do incidente é que este negro attentado só foi descoberto nos escriptorios do Times ás onze horas da manhã: isto é, quando o jornal já estava distribuido em Londres, levado pelos trens de madrugada para toda a provincia, e pela mala de Dover para toda a Europa! A administração do Times telegraphou logo a todos os seus agentes no mundo, para suspender a distribuição e comprar por todo o preço os torpes numeros já espalhados.