Página:Cartas de amor ao cavaleiro de Chamilly.pdf/152

126
CARTA DE GUIA DE CASADOS

família. Considere-se (para que se bem sofra) que a obrigação do fiel companheiro, é guardar companhia, tanto pelo mau, como pelo bom caminho. Se as sortes se mudassem, da mesma maneira quisera o marido ser tratado, e sofrido da mulher.

Há não poucas mulheres proluxíssimas, e de condição impertinente, cuja demasia de ordinário descarrega sôbre os criados, a quem são insuportáveis : donde à casa resulta ruim fama, e achar o senhor dela com dificuldade quera o sirva. Convém que a estas tais se lhes aperte o freio, se lhes dê pouca mão no govêrno, e como as pessoas feridas de mal contagioso, as sirvam, e ministrem ao longe, ouvindo-se pouco, e dando-lhes a ouvir menos. Mostrem-se-lhes por experiência os frutos de sua condição, faltando-lhes talvez com o serviço necessário ; porque se com êste garrote não tornam em si, são por outro modo de dificultoso remédio ; e vem a pagar o marido, sem culpa, os desabrimentos da mulher agressora, e merecedora da ruim vontade dos servos, que, como pouco prudentes, não distinguem em acções tam próprias como as de mulher, e marido, qual dêles é digno de amor, e qual de desamor.

Acontece serem escassas : e dos defeitos mais leves, que nelas se acham, é êste um dêles. Não julgo que seja de algum perigo (posto que pode ser de descontentamento, e azo de pouca paz) porque se o marido é liberal, êle dará logo remédio à condição da mulher ; se tiver o mesmo costume, viverão com miséria, mas com contentamento.

Não cuido certo que os Egípcios com tôda a sua agudeza, inventaram mais excelente geroglífico do que o descobre um nosso provérbio português : O marido barca, a mulher arca. Ouvi-o dias há a uma vélha, e o