— Valha-me Deus! Por quê?

— Porque...

Hortênsia sorriu de novo, sem ânimo de confessar a verdade — o marido não gostava de a ver valsar. Também não se podia desculpar, dizendo que não sabia, porque ainda há pouco dissera justamente o contrário; afinal, sem fazer empenho de ser acreditada acrescentou gracejando.

— Porque... porque me faz mal...

Amâncio prometeu que a conduziria devagar e que não dançaria longo tempo seguido; aceitava todas as condições, contanto que desfrutasse a suprema ventura de lhe merecer uma valsa.

Hortênsia não respondeu; tinha o olhar esquecido sobre um grande quadro que lhe ficava defronte suspenso da parede. E abanava-se, lentamente, como seguindo o vôo de um vago pensamento voluptuoso.

O quadro representava uma cena de Fausto e Margarida, no jardim (um longo beijo apaixonado que parecia soluçar entre a folhagem misteriosa do painel. O encantado filósofo tomava nas mãos brancas a loura cabeça de sua amante, e sorvia-lhe a alma pelos lábios. O sol morria ao longe, dourando a paisagem, e um casal de pombos arrulhava à sombra azulada de uma planta).

Hortênsia olhava para isso, enquanto, ao gemer das rebecas, cruzavam-se na sala os pares, marcando contradanças. O aroma das flores, que se fanavam em grandes vasos japoneses, misturava-se ao cheiro das mulheres e penetrava a carne com a sutilidade de um veneno lento e delicioso como o fumo do charuto. Os membros lácteos das senhoras, expunham-se nus à grande claridade artificial do gás; as jóias faiscavam; os olhos desfaleciam