depois — falir, perder tudo de repente, achar-se em plena miséria e com a ladra da tísica a comer-lhe os pulmões! Oh! cortava a alma!

Não se podia esquecer do desespero com que o desgraçado o chamava, como se lhe quisesse pedir alguma coisa, fazer alguma revelação: — Talvez, quem sabe? até o tomasse, no seu delírio, por algum amigo; porque Amâncio se não enganava, chegara a distinguir-lhe balbuciar o nome de alguém — Não podia ser outra coisa, o mísero chamava por um amigo!

— Mas, também, que idéia, a sua, de andar por aquelas horas a visitar moribundos! Que diabo tinha ele, no fim de contas, com o tal tísico?... Ora essa!

O vulto esquelético não lhe saía, porém, de defronte dos olhos, com a sua ronqueira lúgubre, sempre a lhe estender os longos braços sem músculos e a rolar nas órbitas, convulsivamente, aqueles dois bugalhos luminosos.

Fechou a porta do quarto, despiu o sobretudo que havia enfiado, apagou a vela e assentou-se à mesinha diante de um livro.

O tísico gemia.

— Que maçada! resmungou Amâncio, sem se safar da impressão que trouxera do quarto "daquele diabo"! E cansava os olhos contra as páginas do livro, lendo sem compreender.

Vinham-lhe bocejos repetidos, ardiam-lhe os olhos. — Agora talvez dormisse. O importuno parecia sossegado, pelo menos não se lhe ouvia gemer.

Amâncio voltou à cama, sem ânimo de apagar a vela.

Quando estava quase adormecido, passos agitados no corredor o despertaram em sobressalto e uma pancada em cheio na porta fê-lo erguer-se de pulo e precipitar-se para ela.