— Então a senhora não me quer falar? perguntou Amâncio, fitando-lhe as costas.

Ela interrompeu o que cantarolava e, sem se voltar, disse friamente:

— A culpa é sua...

E continuou a cantarejar, muito embebida nos seus retalhos de fazenda.

Aquele desdém, namorador e artístico, a tornava ainda mais desejável aos olhos do rapaz.

Parecia-lhe até mais bela esse dia; como se os seus encantos, intervindo na perrice, florejassem caprichosamente durante aquela noite de soledade.

Amâncio nunca lhe achou a pele tão fina, os dentes tão brancos, os olhos tão vivos e tão formosos. O pálido e ondulante pescoço da menina jamais lhe pareceu tão misterioso: a sua garganta, macia e doce, jamais o cativara tão despoticamente. Ele, enfim, nunca a sentira tão necessária, tão indispensável.

E as cenas venturosas dos seus primeiros dias de amor lhe perpassaram vertiginosamente diante dos olhos, derramando-lhe por todo o corpo um apetite brutal que lhe fugia por entre os dedos, como um vinho precioso que se derramava.

— Então a culpa é minha?... disse ele, afinal apalpando com a vista a carne esperta dos quadris e dos braços da amante.

— Pois você não vê, respondeu ela, voltando-se espevitada — que as coisas não podem continuar como até aqui?! É uma canseira insuportável! Quase que já não durmo! Preciso esperar de olho aberto que toda a casa se recolha e recolher-me ao quarto antes que o mais se levantem! O resultado é que não descanso; ando tresnoitada; estou enfraquecendo! Já tenho até uma dor do lado.