mas não podia deixar de as ler, como quem não resiste a tocar numa parte dolorida do corpo.

Três, nada menos do que três cartas anônimas, e cada qual a mais insultuosa e mais perversa; não lhe poupavam coisa alguma: — a vergonha real da situação, o ridículo que havia de o acompanhar para sempre, a ojeriza que o público lhe votava espontaneamente; tudo lá estava; tudo vinha descrito, com uma minuciosidade cruel, e com pequeninas considerações ultrajantes, com o terrível cuidado de quem se vinga.

E, para o efeito ser mais completo, falavam intencionalmente, com entusiasmo, nas conquistas e nas simpatias do outro, do querido, do "feliz"! Não se esqueciam da menor circunstância lisonjeira para Amâncio: — o modo pelo qual o receberam ao sair da prisão — os vivas — as flores desfolhadas sobre ele — os oferecimentos — as declarações de amor — os ramilhetes que lhe deram — os brindes; tudo, tudo fora metido ali, para ferir, para danar, para moer.

Reconheceu logo que uma das cartas era de Lúcia; as outras deviam ser de seus próprios colegas ou, quem sabe?... de algum velho inimigo já esquecido por ele! — Tanta gente saíra despeitada da sua casa de pensão!... Ser credor é ser algoz!... exigir pagamento de uma conta a quem não tem dinheiro é exigir a sua inimizade eterna! Além disso, com os seus modos secos e retraídos ele sempre fora tão pouco estimado na academia!... não tinha, como o "prosa" do Amâncio, gênio para agradar a todo o mundo; não tinha as lábias do outro: não sabia fazer "discursatas e falações" a propósito de tudo!... Era um infeliz, que todos evitavam — um leproso! um lazeiro!

E a dor, sem se resolver nas lágrimas que lhe faltavam,