como igualmente lhe socorressem as ânsias da imaginação.

Por esse tempo leu a Graziella e o Raphael de Lamartine. Ficou possuído de uma grande tristeza; as lágrimas saltaram-lhe sobre as páginas do livro. Sentiu necessidade de amar por aquele processo, mergulhar na poesia, esquecer-se de tudo que o cercava, para viver mentalmente nas praias de Nápoles, ou nas ilhas adoráveis da Sicília, cujos nomes sonoros e musicais lhe chegavam ao coração como o efeito de uma saudade, de uma nostalgia inefável, profunda, sem contornos, que o atraía para um outro mundo desconhecido, para uma existência que lhe acenava de longe, a puxá-lo com todos os tentáculos do seu mistério e da sua irresistível melancolia.

Uma ocasião, deitado ao pé da janela de seu quarto, pensava em Graziella.

À tarde precipitava-se no crepúsculo, e enchia a natureza de tons plangentes e doloridos. A um canto da rua um italiano tocava uma peça no seu realejo. Era a Marselhesa.

Amâncio conhecia algumas passagens da revolução de França: lera os Girondinos, de Lamartine. E a reminiscência do sentimentalismo enfático dessa obra, coada pela retórica poderosa da música de Lisle, trouxe-lhe aos nervos um sobressalto muito mais veemente que das outras vezes.

Julgou-se infeliz, sacrificado nas suas aspirações, no seu ideal. Precisava viver, gozar, gozar sem limites!... Não ali, perto da família, estudando miseráveis lições do Liceu, mas além, muito além, onde não fosse conhecido, onde tudo para ele apresentasse surpresas de uma outra vida, atrativos de um mundo vasto, enorme, que sua imaginação mal podia delinear.