peito nem dentro da cabeça. Isso que chamão juizo e sentimento são para mim verdadeiros mysterios. Não os compreendo porque os não sinto.

Soares accrescentava que a fortuna suplantára a natureza deitando-lhe no berço em que nasceu uma boa somma de contos de réis. Mas esquecia que a fortuna, apezar de generosa, é exigente, e quer da parte dos seus afilhados algum esforço proprio. A fortuna não é Danaide. Quando vê que um tonel esgota a agua que se lhe põe dentro vai levar os seus cantaros a outra parte. Soares não pensava n’isto. Cuidava que os seus bens erão renascentes como as cabeças da hydra antiga. Gastava ás mãos largas; e os contos de réis, tão difficilmente accumulados por seu pai, escapavão-se-lhe das mãos como passaros sequiosos por gozarem do ar livre.

Achou-se, portanto, pobre quando menos o esperava. Um dia de manhã, quer dizer ás ave-marias, os olhos de Soares vírão escriptas as palavras fatidicas do festim babylonico. Era uma carta que o criado lhe entregára dizendo que o banqueiro de Soares a havia deixado á meia-noite. O criado falava como o amo vivia: ao meio-dia chamava meia-noite.

— Já te disse, respondeu Soares, que eu só recebo cartas dos meus amigos, ou então...

— De alguma rapariga, bem sei. É por isso que