Que iria dizer a sua filha? Como dar-lhe parte do ocorrido? Como evitar os perigos que já se lhe antolhavam nesta revelação?

Vicente hesitou, e caminhando para sua casa foi ruminando mil projetos, a ver qual era melhor para sair desta dificuldade.

Mas na confusão que naturalmente estas idéias lhe traziam, Vicente fixou o espírito no ponto principal da questão: a perfídia de Valentim.

Essa perfídia não carecia de provas. Estava patente, clara, evidente. Valentim tinha usado de uma fraude para enganar Emília. Ou, se tinha motivo de sair, quis aproveitar uma mentira, para mais a salvo poder escapar às promessas anteriores.

Tudo isso é evidente; Vicente via em toda a nudez a triste situação em que ficava colocado.

As circunstâncias contribuíam para aumentar a evidência dos fatos; o silêncio, o anúncio mentiroso da próxima chegada, tudo.

Fazendo todas estas reflexões, Vicente chegou à porta de casa.

E não tinha inventado nada para dizer a Emília. Em tal caso o que cumpria fazer era calar-se e esperar que o tempo tivesse, desfazendo o amor, minorado o sofrimento do desengano.

Calou-se, portanto.

Quando pôde estar a sós refletiu no procedimento de Valentim; uma soma enorme de ódio e despeito criou-se no seu coração. Vicente desejava estar naquele momento diante de Valentim para lançar-lhe em rosto a sua infâmia e a sua baixeza.

Mas todas essas raivas contidas e tardias nada mudavam a situação.

A situação era: Emília definhando, Valentim ausente. O que cumpria fazer? Distrair a moça para ver se ela voltava à vida, e ao mesmo tempo se o primeiro amor se desvanecia naquele coração.

Nesse sentido Vicente fez tudo quanto o amor de pai lhe sugeriu, sem que nos primeiros dias nada pudesse conseguir. Mas os dias se passavam e a dor, se não desapareceu de todo, ao menos não era tão ruidosa como outrora. Três meses se passaram assim, e desde a única carta que Valentim escreveu a Vicente, nunca mais houve uma só letra, uma só palavra dele.

Mas no fim desses três meses apareceu uma carta. Enfim! Vicente recebeu-a contente e não quis logo comunicá-la a Emília. Quis lê-la antes. Era longa: leu-a toda.

Dizia Valentim:

Meu caro sr. Vicente. Se V. Sa. não compreendeu que a minha união com D. Emília era desigual, mostra ter muito pouca prática do mundo. Em todo o caso é digno de desculpa, porque eu também tive um momento em