amaldicçoada do povo. Mas era ahi também que ella vinha depois de tantos sustos, de tantas difficuldades vencidas, de tanto sangue derramado por sua causa, repousar triumphadora, segura já na fronte a corôa real. Tudo estava do mesmo modo, salvo as personagens, que em parte eram diversas e em diversa situação.
Elrei, habitualmente alegre, se assentára triste na cadeira de espaldas, unico movel do aposento, e encostára a cabeça sobre o punho cerrado: D. Leonor, posto que naturalmente loquaz, [1] assentada no estrado defronte de D. Fernando, conservava-se tambem em silencio: em pé, um pouco atraz da cadeira d’elrei, o donzel querido de D. Leonor, com os olhos fitos nella, esperava attento as determinações de sua senhora: ao longo da sala o conde de Barcellos e D. Gonçalo Telles passeavam lentamente, conversando em voz submissa e pausada.
Mas a taciturnidade de cada uma das duas personagens principaes tinha bem differentes motivos.
A imagem da sua capital destruida havia-se embebido na alma d’elrei como um remorso cruel. Pelas suggestões de seu tio adoptivo consentíra
- ↑ A rainha... como era ousada e muito faladora: Fernão Lopes, Chr. de D. Fern. cap. 126.