que D. Henrique viesse livremente destruir a opulenta Lisboa. Elle, neto de Affonso IV, rejeitára os soccorros de seus valorosos vassallos, que de toda a parte haviam corrido, lança em punho, para combaterem debaixo da signa real, ao esvoaçar dos pendões inimigos: elle, cavalleiro, fôra vil instrumento de vingança covarde: elle, rei de Portugal, fôra o destruidor do seu povo; elle, portuguez, recebêra o nome de fraco de um castelhano, sem que ousasse desmentir a affronta! [1] Estas idéas, que o tinham assaltado ao atravessar as ruinas dos arrabaldes, tomavam maior vulto e força na solidão e no silencio. O pobre monarcha, bom, mas excessivamente brando e irresoluto, tinha sobeja razão de estar triste. A lua, que começava a subir, dava de chapa, através da janella oriental do aposento, no rosto de D. Fernando, como dous annos antes, quasi a essa hora, lhe allumiára tambem as faces demudadas de afflicção. Este logar, esta luz, e esta hora eram para elle fataes!
Nesse momento passos mais rapidos e mais pesados que os dos dous fidalgos começaram a soar na sala contigua: quem quer que era passeava também.
- ↑ Ibid. Cap. 72.