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ou um governante pudessem reclamar dano pelo uso da imagem em jornais, revistas, televisão etc. Máxime considerando o caráter jornalístico da utilização, no mais das vezes”[1]. Por todas estas considerações, a decisão acerca do uso da fotografia em que o poeta Manuel Bandeira é retratado nos parece acertada do ponto de vista do direito de imagem. Inicialmente, porque Manuel Bandeira foi uma pessoa pública. Escritor que gozou de notoriedade ainda em vida e reconhecidamente um dos maiores talentos das letras brasileiras, a proteção à sua imagem nos parece flexibilizada em razão, exatamente, de ser pessoa pública. Especialmente no caso em análise, onde se encontra em lugar público[2]. Além disso, o uso da fotografia não acarreta qualquer prejuízo a qualquer outro direito: não viola a honra, a privacidade, a dignidade ou o nome de Manuel Bandeira. Certamente seus herdeiros não se sentem, tampouco, feridos em seus direitos de personalidade pela utilização da obra fotográfica. Por isso, a decisão judicial foi no sentido de

não haver violação a direito de imagem, porque efetivamente não há.

O outro aspecto relevante, que foi ignorado na ação judicial, é que a obra sobre a qual se põe a controvérsia data de 1936. Portanto, do ponto de vista do direito autoral, a foto encontra-se em domínio público. E estando em domínio público, é possível utilizá-la inclusive com fins comerciais, independentemente da autorização do antigo titular dos direitos autorais — o fotógrafo ou seus herdeiros. Sendo assim — e vamos considerar que assim é, deve a obra em domínio público seguir seu destino de livre utilização. Não nos parece razoável que o direito de imagem de terceiros — trate-se de pessoa pública ou celebridade ou, ainda, um desconhecido — impeça ou sirva de obstáculo ao uso de obra em domínio público. Se assim for, não haverá mais obras fotográficas ou audiovisuais em domínio público se alguém estiver nelas retratado. O domínio público em fotografias e obras audiovisuais se restringiria às obras que retratassem exclusivamente — se tanto! — paisagens, animais e objetos  inanimados.

Por tudo, aliás, essa reivindicação no uso da fotografia de Manuel Bandeira causa estranheza. Nunca se ouviu falar que o uso normal de um filme de Charles Chaplin ou de Buster Keaton em domínio público fosse questionado por violar direito de imagem de qualquer dos dois. Na verdade, nunca soubemos de qualquer caso em que obra audiovisual em domínio público tivesse sua livre utilização impedida em razão de alegado direito de imagem. E a proteção conferida a este direito é a mesma — em obra audiovisual ou fotográfica. Impedir ou dificultar o uso de obra em domínio público por haver pessoa sendo retratada na obra é impedir ou dificultar a livre circulação das obras em domínio público[3].



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53 FARIAS, Cristiano Chaves de e ROSENVALD, Nelson. Direito Civil — Teoria Geral. Cit.; p. 191.

54 “Segundo a teoria dos direitos de personalidade, as [pessoas] famosas do meio cultural ou político, ao partirem para a vida pública, renunciam a certa parcela de seus direitos de personalidade, desobrigando o fotógrafo ou o câmera de obterem sua prévia autorização para fixar a imagem”. ABRÃO, Eliane Y. Imagem, Fotografia e Direitos Autorais. Revista da ABPI, nº 30; p. 44.

55 “No entanto, entendemos que o direito à imagem também possui certas limitações, decorrentes da sobreposição do interesse público em relação ao privado. Tal afirmação, no entanto, não está expressa em nosso ordenamento