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Um último argumento, que foge ao escopo quer dos direitos autorais quer dos direitos de personalidade. Trata-se, aqui, de ponderação de direitos[1]. De um lado, há o direito à divulgação (subjetivo) e à preservação (objetivo) da cultura nacional. Para Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald, uma hipótese de flexibilização do direito de imagem por supremacia do interesse coletivo é aquela em que se faz uso da imagem “para fins históricos, como a construção de um monumento ou a veiculação em livros narrativos”[2]. De outro lado, há alegado direito de imagem de uma pessoa pública, em lugar público, sem que o uso da imagem venha a ofender qualquer direito do retratado ou de terceiro, inserida em obra em domínio público. Negar estes fatos e impedir a circulação do livro em razão da foto do poeta Manuel Bandeira seria desprezar por completo preceitos constitucionais, o interesse público, a preservação da cultura nacional e, não podemos deixar de notar, o bom senso.

É bem verdade que em alguns casos a situação fática pode parecer estranha em um primeiro momento. Como obras fotográficas entram em domínio público 70 anos após sua divulgação, é possível que o retratado ainda esteja vivo no momento de a obra ingressar no domínio público. Verá, assim, sua imagem poder circular livremente, sem que nada possa fazer enquanto seus demais direitos de personalidade (honra, privacidade etc) não forem violados. Ocorre que por mais insólita a situação possa parecer, não nos parece haver outra solução juridicamente  aceitável.

A dificuldade adicional, neste passo, encontra-se em saber se a imagem de terceiro inserida em obra em domínio público pode ser utilizada para fins comerciais em propaganda publicitária.

É importante fazermos uma distinção. A inserção de fotografia de Manuel Bandeira em livro que será vendido ao público conta com uso comercial. No entanto, seu uso comercial é aquele convencional nos termos da exploração da obra em domínio público. Esgotados os direitos patrimoniais sobre a obra, extingue-se a exclusividade de que gozava o autor ou seus herdeiros e a qualquer um é lícito fazer uso comercial da obra[3].



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jurídico”. LOPES, Cláudia Possi. Limitações aos Direitos de Autor e de Imagem — Utilização de Obras e Imagens em Produtos Multimídia. Revista da ABPI, nº 35; p. 31.

56 “Assim sendo, o dispositivo há de ser interpretado sistematicamente, admitindo-se a divulgação não autorizada de imagem alheia sempre que indispensável à afirmação de outro direito fundamental, especialmente o direito à informação — compreendendo a liberdade de expressão e o direito a ser informado. Isto porque tal direito fundamental é também tutelado constitucionalmente, sendo essencial ao pluralismo democrático. Daqui decorre uma presunção de interesse público nas informações veiculadas pela imprensa, justificando, em princípio, a utilização da imagem alheia, mesmo na presença de finalidade comercial, que acompanha os meios de comunicação no regime capitalista”. BARBOZA, Heloisa Helena; MORAES, Maria Celina Bodin de e TEPEDINO, Gustavo (orgs.). Código Civil Interpretado Conforme a Constituição da República — Vol. I. Cit.; p. 53.

57 FARIAS, Cristiano Chaves de e ROSENVALD, Nelson. Direito Civil — Teoria Geral. Cit.; p. 191.

58 Antonio Castán Pérez-Gómez estranhamente se insurge contra determinados usos comerciais. Após analisar uma série de hipóteses (o uso do quadro “As Meninas”, de Velázquez, para promoção de roupas e de um quadro de El Greco para promover a própria Espanha), o autor contesta a venda de relógios com desenhos realizados a partir da obra de Van Gogh. Afirma que, diante de tal ato, resulta claro que a coleção responde a um propósito