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crer que tais direitos, assim como os patrimoniais, são incorporados à esfera jurídica própria dos herdeiros, o que não é verdade. Aponta Regina Sahm que “[a] interpretação correta, segundo Henri Desbois, é a que assegura aos herdeiros uma faculdade que não lhes permite agir de acordo com seus próprios interesses. Vinculado à pessoa do autor, não sobrevive o direito moral na forma como fora em vida (en se sans qu'il ne lui surviva pas tel qu'il était de son vivant). Por outro lado, não se extingue totalmente”[1].

José de Oliveira Ascensão, com a precisão habitual, afirma que os direitos previstos no art. 24, §1º, da LDA, “têm necessariamente uma coloração funcional. São destinados a defender ainda o criador intelectual. A personalidade deste, embora falecido, é a única que serve como ponto de referência para este exercício”. Por isso é que “a lei deveria dizer que os herdeiros exercem estes direitos; não que adquirem estes direitos”[2].

Afinal, como prescreve o art. 27 da LDA, os direitos morais do autor são inalienáveis. E não por outro motivo é que o art. 49, I, da mesma lei determina que a transmissão total dos direitos autorais compreende todos os direitos de autor, salvo os de natureza moral e os expressamente excluídos por lei.

Ainda que, se analisados em seu conjunto, os direitos morais possam ser qualificados como extrapatrimoniais, não podem, entretanto, por outro lado, ser encarados unanimemente como direitos de personalidade. Especialmente, entendemos que não podem ser tratados como direitos de personalidade por serem direitos morais de autor. De fato, a natureza jurídica, assim como sua persistência após a morte do autor, distingue determinados direitos morais de  outros.

Para os objetivos aqui perseguidos, vamos analisar cada um dos direitos morais que, de acordo com a LDA, sobrevivem à morte do autor. São estes os direitos que poderão, de alguma maneira, ecoar quando a obra ingressar em domínio público. Após a análise dos incisos I, II, III e IV do art. 24 da LDA, vamos tratar de sua proteção por parte do Estado.

(i) direito de paternidade

Os incisos I e II, que podem ser lidos em conjunto, tratam do direito que tem o autor de se proclamar, a qualquer tempo, autor da obra e, em decorrência de tal fato, ter seu nome ou pseudônimo a ela vinculado. Este é o direito moral por excelência. Uma vez autor, para sempre autor. Por isso, é evidente que a LDA não transfere propriamente



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de exploração econômica da obra, pela razão de que, este último, não guarda qualquer relação de cunho pessoal com o autor. A ele, portanto, apenas caberia reclamação acerca da violação dos direitos acima descritos na medida em que esta violação prejudique sua obtenção de proveito econômico”. FULIARO, Ana Paula. A Sucessão em Direito de Autor: Aspectos Morais e Patrimoniais. Cit., p. 11.

67 SAHM, Regina. Direito à Imagem no Direito Civil Contemporâneo. São Paulo: ed. Atlas, 2002; p. 58. Para a autora, “[s]e a lei reconhece aos herdeiros legais ou testamentários o direito de zelar pela obra e a memória do de cujus, é porque neles reconhece instrumentalidade para tanto. Nesse mesmo sentido é a lição do Prof. Fábio Maria de Mattia: “[n]ão há propriamente sucessão, mas o exercício pelos herdeiros do direito de defender a memória do morto através da proteção de sua obra”.

68 Grifos no original. ASCENSÃO, José de Oliveira. Direito Autoral. Cit., p. 277.