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menos 15 romances inéditos[1], que certamente seriam tratados como verdadeiros tesouros literários pelas editoras comerciais mundo  afora.

Sabe-se que Salinger era francamente contra a publicação de seus livros, alegando que a publicação seria uma invasão terrível à sua privacidade. Caso tenha deixado indicações expressas de não publicação, entendemos que seus herdeiros deverão respeitá-las. Seus livros não poderão ter outro destino senão o ineditismo. Mas uma vez expirado o prazo de proteção, seria possível considerar que seus romances estão em domínio público? Nesse caso, um pesquisador da obra de Salinger ou uma editora comercial poderiam ter direito de ter acesso à obra para estudá-la ou publicá-la? Ou, ao contrário, continuariam proibidos de  publicá-los?

Em um primeiro momento, a resposta mais adequada parece ser que não podem publicá-los pela vontade expressa do autor. Afinal de contas, o direito de inédito é atribuído aos herdeiros de modo a preservar a vontade do autor, prevalecendo a vontade daqueles apenas se este não a manifestou expressamente. Mas como todo direito de personalidade, a (alegada) privacidade tende a se esvanecer com o tempo.

Será que, caso Machado de Assis tivesse deixado obras inéditas com a indicação expressa de não publicação, sua vontade ainda estaria prevalente? Ou o benefício do acesso a tais obras para o estudo da literatura no Brasil seria tão grande a ponto de, em eventual conflito de interesses, se sobrepor à vontade do autor?

Que dizer então de obras inéditas de Milton, Bocaccio ou Dante? Passados séculos da morte de alguns dos mais notáveis autores do mundo, faz sentido manter (se houvesse) uma exigência de não publicação? E se se tratasse de Platão, Sócrates, Sófocles?[2]

Parece-nos, portanto, que durante o prazo de proteção da obra, a vontade do autor deve necessariamente ser respeitada — quer no sentido de publicar seu trabalho, quer no sentido de mantê-lo inédito. No entanto, com sua entrada em domínio público, a publicação da obra ou seu simples acesso por terceiros deveriam ser analisados caso a caso a partir da ponderação de princípios. Nesse caso, torna-se de fato impossível propor uma única solução. O tempo transcorrido desde a morte do autor, o benefício social do acesso às obras inéditas, o grau de certeza quanto à vontade de sua publicação, todos esses elementos deverão ser levados em consideração.

Finalmente, que dizer do fato de o autor ter transmitido em vida, ou causa mortis, por legado, a um terceiro qualquer, os direitos patrimoniais sobre obra inédita? Com a morte do criador intelectual, quem terá o direito sobre sua publicação?



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89 Disponível  em http://www.estadao.com.br/noticias/arteelazer,j-d-salinger-deixou-um-cofre-cheio-de-duvidas,503784,0. htm. Acesso em 22 de agosto de 2010.

90 José de Oliveira Ascensão se insurge com veemência contra a perpetuidade dos direitos morais de autor ao afirmar que tal ideia é “uma barbaridade: como se fosse admissível que daqui a séculos alguém pretendesse controlar a utilização das obras atuais, invocando faculdades pessoais que lhe correspondessem como herdeiro ou cessionário de algum titular”. ASCENSÃO, José de Oliveira. En Torno al Dominio Público de Pago y la Actividad de Control de la Administración en la Experiencia Portuguesa. Cit.; p. 273.