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que seja a impressão, o texto original poderá ser copiado independentemente de autorização ou licença de quem quer que seja e por qualquer meio. Entendimento contrário seria uma violação ao direito de acesso a obra em domínio público[1].

Por isso é que entendemos não haver qualquer proteção possível à edição de uma obra em domínio público. Ainda que com acabamento impecável, com papel de qualidade superior, com layout inovador e revisão de texto primorosa, a menos que haja elementos originais na obra (ilustrações, notas de rodapé explicativas, comentários do editor), não gozará seu editor de qualquer proteção. Do ponto de vista do direito autoral, uma edição de obra em domínio público poderá ser reproduzida livremente, sem qualquer  obstáculo[2].

No Brasil, a LDA não prevê proteção aos tipos gráficos (fontes) nem à maneira de organizá-los visualmente[3]. Em alguns países[4], entretanto, tal proteção é conferida.


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119 Muito conhecido o caso da empresa de software Adobe, que protagonizou há algum tempo um evento curioso. Em seu catálogo de livros que poderiam ser baixados para leitura, estava o clássico em domínio público “Alice no País das Maravilhas”. Ainda que o livro estivesse em domínio público, ao clicar no programa para ter acesso ao seu conteúdo, o usuário se deparava com a seguinte lista de restrições: (i) Cópia: nenhuma parte do livro pode ser copiada; (ii) Impressão: não é permitido imprimir este livro; (iii) Empréstimo: este livro não pode ser emprestado ou dado a terceiros; (iv) Doação: este livro não pode ser doado; (v) Leitura em voz alta: este livro não pode ser lido em voz alta. Por ser tratar especialmente de um livro em domínio público, o absurdo das vedações fala por si só. Aparentemente, tratava-se de um caso em que um livro infantil em domínio público não poderia ser lido em voz alta pelos pais para seus filhos. Questionada a respeito das vedações, a Adobe prontamente se defendeu dizendo que a última das proibições se referia ao uso do comando “ler em voz alta” do programa, e não ao fato de alguém ler o livro em voz alta para um terceiro. Mas então indaga Lawrence Lessig, ao discutir a doutrina do fair use: se alguém conseguisse contornar a restrição tecnológica que impede o livro de ser lido em voz alta para que a leitura pelo próprio computador fosse feita a um cego, a Adobe consideraria que houve um uso injusto do programa? Do ponto de vista do domínio público, as instruções da Adobe para uso da obra se tornam ainda mais canhestras. LESSIG, Lawrence. Cultura Livre: Como a Grande Mídia Usa a Tecnologia e a Lei para Bloquear a Cultura e Controlar a Sociedade. Cit.; p. 164. Em regra, a aplicação de TPMs — technologicall protection measures (mecanismos tecnológicos que impedem a reprodução ou a cópia de arquivos digitais) em obras em domínio público é conduta tipicamente classificada como abusiva.

120 Segundo Antônio Chaves, um direito dessa natureza “é admitido apenas parcialmente pela Lei da República Federal Alemã de 09.09.1965 com relação às edições científicas, garantindo por dez anos, ao autor das edições de obras e textos não amparados elo direito de autor, ‘uma proteção análoga à estabelecida em virtude das disposições da parte 1' da mesma lei, desde que ‘as mesmas representem o resultado de um esforço ou atividade científica e se diferenciem de uma maneira essencial das demais obras ou textos conhecidos'”. CHAVES, Antônio. Direitos Conexos. Cit.; pp. 588-589. Atualmente, o prazo é de 25 anos.

121 Antônio Chaves defende direitos conexos às editoras, nos mesmos moldes daqueles previstos para as produtoras fonográficas. CHAVES, Antônio. Direitos Conexos. Cit.; pp. 587 e ss. De nossa parte, entendemos tal opinião inconcebível. Conferir ao editor um direito conexo pela edição significa, na prática, impedir a livre circulação de obras em domínio público por conta de elementos que não compõem a obra. Esta deve circular independentemente dos elementos externos que lhe dão forma, como os tipos gráficos e a disposição do texto sobre a página. Se de fato há semelhança entre o trabalho do editor e aquele do produtor fonográfico, julgamos que deve a este último ser subtraído o direito conexo e não se atribuir ao primeiro direito de que, hoje, não goza. Os direitos conexos dos produtores fonográficos e das empresas de radiodifusão não são mais do que a proteção ao investimento, não havendo, em regra, qualquer contribuição criativa ou artística à obra. No mesmo sentido, o trabalho das editoras. Por isso, não devem mesmo estar protegido pelo texto da LDA.

122 Segundo Stephen Fishman, Inglaterra e Itália estão entre eles. FISHMAN, Stephen. The Public Domain — How to Find & Use Copyright-Free Writings, Music, Art & More. Cit.; p. 291.