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rem a ingressar em sua propriedade privada, como fazer para que as obras intelectuais cumpram com sua função social?

Neste caso, é necessário nos valermos da funcionalização de outro instituto: da propriedade, tradicionalmente considerada. Voltamos, portanto, à Constituição Federal, que estabelece que a propriedade deverá atender à sua função social[1], e ao art. 1.228 do CCB[2].

Trata-se, nesta hipótese, da função social de verdadeira propriedade. O monopólio decorrente do direito autoral sobre a obra já se esgotou, mas como o suporte onde a obra se encontra não ingressa jamais em domínio público, exatamente por se tratar de propriedade de fato, cria-se uma dificuldade: como dar acesso à obra (que não pertence mais a ninguém) se seu suporte é objeto de propriedade?

Não será possível haver uma resposta única e precisa. O ideal seria que o proprietário do suporte (da tela de um quadro, de uma escultura ou do manuscrito de um livro, por exemplo) permitisse a qualquer pessoa ter acesso à obra, quer por meio de exposição pública, quer por meio de acesso ao lugar onde a obra se encontra. No entanto, tal solução apresenta incontáveis inconvenientes práticos. A depender da popularidade da obra, dezenas, centenas ou mesmo milhares de pessoas poderiam se dispor a vê-la, o que poderia vir a comprometer a segurança e a integridade da obra ou mesmo outros direitos do proprietário de seu suporte, como sua privacidade.

Em contraposição, o mínimo que se poderia esperar seria que o proprietário do suporte físico mantivesse, disponível na internet, reprodução fotográfica da obra intelectual (ou versão fac-símile de texto, ou equivalente, a depender da natureza da obra) para acesso e reprodução por qualquer interessado, independentemente de prévia autorização ou de pagamento[3]. Não o fazendo, poderá ser obrigado judicialmente a tanto.

No mais das vezes, essa simples possibilidade de acesso e reprodução pela internet se faz suficiente. Todavia, em algumas circunstâncias, pode ser que seja necessário o exame



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vendida tela de Gauguin: disponível em http://www.estadao.com.br/noticias/arteelazer,a-manha-de-gauguin-atin- ge-us-3924-milhoes-em-leilao,77382,0.htm, acesso em 22 de janeiro de  2011.

275 CF/88, art. 5º, XXIII.

276 Art. 1.228: O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha. § 1º O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas. § 2o São defesos os atos que não trazem ao proprietário qualquer comodidade, ou utilidade, e sejam animados pela intenção de prejudicar outrem. (...)

277 É certo que produzir uma boa reprodução fotográfica da obra, ou seu equivalente em outra mídia — se sonora ou audiovisual etc. — poderá consumir valores elevados por parte do proprietário do suporte, e ele certamente não estaria obrigado a tanto, já que não há lei que a isso o obrigue. Entretanto, atualmente é possível se obter resultados razoáveis com técnicas amadoras ou semiprofissionais e a custo reduzido. Qualquer outra hipótese, como a de cobrar dos usuários para terem acesso à obra, deve ser analisada casuisticamente. Em princípio, a cobrança pode ser feita para ajudar nos custos de conservação da obra, mas certamente não poderia ser de valores tão altos a ponto de caracterizar uma contraprestação pelo seu uso ou o enriquecimento do proprietário às custas da exploração econômica de um direito que ele não possui. Voltaremos à questão quando tratarmos dos acervos de arquivos públicos.