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omo já foi detalhadamente discutido por Carlos Affonso Pereira de Souza em sua tese “O Abuso do Direito Autoral”, “[a] s chamadas medidas de proteção tecnológica (TPM) têm sido estudadas como uma recente forma de aumentar o espectro de proteção dos interesses de autores e titulares do direito autoral através da inserção de dispositivos tecnológicos que impedem determinados usos da obra. Esses dispositivos, que geralmente acompanham o suporte da obra autoral, seja um CD, DVD, ou mesmo um codificador de sinal de televisão, colocam em questão os limites entre os interesses públicos e privados na utilização da criação intelectual”[1]. E acrescenta: “[o] uso de ambas as formas de controle tecnológico [DRMs e TPMs] pode ser desempenhado de forma abusiva, resultando em restrição a usos e monitoramento que viole as liberdades garantidas pelos limites aos direitos autorais, além de gerar controvérsias sobre a invasão da privacidade do usuário e a aplicação do direito do consumidor para impor uma série de sanções ao fornecedor”[2].

Entendendo-se que as medidas de proteção tecnológica são capazes de constituir, a depender da situação, abuso do direito autoral, com mais razão ainda deve-se entender abusiva a inserção de tais medidas quando o direito autoral não mais existe em sua plenitude. A aplicação de trava tecnológica em obras em domínio público viola o direito subjetivo de uso da obra em que a trava foi aplicada[3].

Além do direito subjetivo ao uso de obra em domínio público, podemos afirmar a existência de um direito ao próprio domínio público? Tal pergunta na verdade se desdobra em duas outras: poderia o legislador brasileiro (i) tornar objeto de monopólio obras já ingressadas no domínio público? e (ii) dilatar indefinidamente o prazo de proteção aos direitos autorais ou, ainda, conferir aos titulares de direitos autorais um direito patrimonial perpétuo, a exemplo do legislador português no início do século XX?

À primeira pergunta, responde-se com relativa facilidade: a CF/88 elenca entre seus direitos fundamentais, como cláusula pétrea, o direito adquirido. E como lembra Luís Roberto Barroso, “ao contrário de outros países do mundo, o direito adquirido no Brasil tem proteção constitucional”, de modo que “somente o constituinte originário pode validamente suprimi-lo”[4]. Por isso, não nos parece possível devolver ao domínio privado obras já ingressadas no domínio público.

Quanto à segunda questão, a CF/88 prevê, em seu art. 5º, XXVII, que aos autores pertence o direito exclusivo de utilização, publicação ou reprodução de suas obras,


  1. SOUZA, Carlos Affonso Pereira de. O Abuso do Direito Autoral. Cit.; p. 242.
  2. SOUZA, Carlos Affonso Pereira de. O Abuso do Direito Autoral. Cit.; p. 328.
  3. Naturalmente, uma nova edição de obra em domínio público, com prefácio e ilustrações originais, por exemplo, poderia contar com proteção tecnológica acerca de tais elementos novos, mas nunca daqueles em domínio público. Ainda assim, tal proteção poderia ser questionada na medida em que contrariasse as limitações aos direitos autorais previstas no art. 46 da LDA.
  4. Citado por Denis Borges Barbosa. BARBOSA, Denis Borges, Domínio Público e Patrimônio Cultural; p. 12. Disponível em http://www.denisbarbosa.addr.com/bruno.pdf.