da lei e ainda um tanto por conta de abusos de direito, o que pudemos verificar foi que nem mesmo em arquivos públicos o domínio público vem sendo respeitado como deveria. Os arquivos públicos cumprem papel relevantíssimo para a sociedade, na medida em que documentos públicos devem ser tratados como “instrumento de apoio à administração, à cultura, ao desenvolvimento científico e como elementos de prova e informação”[1]. Entretanto, muitas são as práticas abusivas que pudemos verificar e que violam frontalmente a função social a ser exercida pelos arquivos públicos. Entre outras, podemos apontar: discriminação quanto ao uso que se pretende fazer da obra em domínio público; cobrança de valor diferenciado para dar a acesso a determinada obra em domínio público quando esta será usada para fins econômicos; exigência de autorização de suposto titular ainda que a proteção patrimonial à obra já tenha expirado e até mesmo recusa em dar acesso à obra em razão do uso que dela se pretende fazer.
É bem verdade que abusos como estes relatados não ocorrem apenas no Brasil. No entanto, a situação nos parece significativamente mais grave em nosso país, especialmente por conta da insegurança jurídica decorrente de uma lei omissa como a LDA e de um Poder Judiciário que em regra desconhece os direitos autorais.
VI.
De acordo com a mitologia grega, Procusto vivia em uma casa onde havia uma
cama a que seu corpo se ajustava com perfeição. Sempre que convidava alguém a se deitar sobre sua cama, sendo o hóspede demasiadamente alto, amputava-lhe o excesso; sendo demasiadamente baixo, era esticado até que se adequasse a todo o comprimento do leito. À técnica de Procusto ninguém sobrevivia.
Se a história não é nova, nem a metáfora inédita[2], ainda assim o mito de Procusto nos é de bastante valia.
O domínio público vive na tensão entre variados conflitos: se promove a liberdade de expressão, o acesso ao conhecimento, a educação, a livre iniciativa etc., é também verdade que precisa se conformar a outros direitos previstos em nosso ordenamento jurídico (como os direitos de personalidade), aos desafios de legislação internacional de múltiplas tradições em um mundo globalizado e a questões tecnológicas na era digital. O domínio público tem implicações ainda em relevantes questões de direito do consumidor, de direito da concorrência, de direito contratual, de direito de família e de outros mais que se possa invocar.
Neste cenário de hipercomplexidade jurídica, o que se verifica é que os princípios sobre os quais foi forjado o direito autoral, no século XIX, já não se prestam com perfeição