A rraposa, veendo que o nom podia emganar, ffoy-sse ao que guardaua o gaado, e acusou o lobo, dizemdo aquelle lugar onde[1] acharia o lobo que lhe ffurtára o bode e lh’o jazia hi comendo. Ho guardador do gaado ffoy e achou o lobo no sylluado, assy como a rraposa lhe dissera, e matou-ho.
A rraposa foy pera comer a carne do cabrom que ficaua do lobo, e ho pastor a matou.
E per esta guysa morreo o lobo e a rraposa.
Este poeta, queremdo-nos amaestrar, pom este emxemplo ssuso dicto, e diz que nós [nom][2] deuemos viuer de rrapina, porque aquell que de rrapina viue, muytas vezes lhe aconteçe que perde o corpo. Diz ajmda que muytos perdem o corpo pollo dapno /[Fl. 23-v.] d’outrem. Diz ajmda mays, que ho homem que ffaz furto he perdido, e pello comtrayro aquell que per sseu trabalho uyue he ssaluo, porque per nosso trabalho mandou Deus[3] que viuessemos, e ssaluariamos nossas almas.
[P]om este poeta este emxemplo, e diz que estamdo hũu çeruo bebendo em hũa fomte muy clara, vio os sseus cornos que lhe pareçiam muy fremosos, e tomaua por ende grande prazer e uãa gloria; er esguardou espelhamdo-sse na fomte e vio os sseus pees que eram muy delguados e ffeos, e tomou gram nojo. E estando-sse assy /[Fl. 24-r.] espelhamdo naquela ffomte, vieram os caçadores com muytos cãaes. E o çeruo, quamdo os vio, começou de ffugir, e rrogaua aas pernas que o ajudassem, e ellas o ajudauam quanto podiam; em tall guisa o ajudarom, que escapou dos caçadores. Assy que sseemdo o çeruo escapado, deu gram louuor aas pernas;[4] brasfamou muyto os cornos que lhe dauam grande estorua quando ffugia.
Queremdo-nos este poeta amostrar, pom este emxemplo ssuso dicto, e diz que nós nom deuemos despreçar aquelas cousas que nos ssom proueytosas, posto que ffeas sseiam; nem deuemos louuar as cousas que nom ssom proueytosos, posto que ffremosas sseiam: mas deuemos amar mays as cousas que nos ssom proueytosas, ajmda que ffeas ssejam, que as fremosas que nom proueytam.