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SUD MENNUCCI

motivo que não vem ao caso apurar, entre os bens do herdeiro figurava tambem a propria mãi. Esta reagira contra a situação, de vez que o filho, ou por não ter idade para deliberar ou por qualquer outra razão, não lhe concedera a liberdade, e viera pleitear, perante a justiça, contra a inacreditavel aberração de ter de ser escrava de seu proprio filho.

O Juiz de direito da comarca (cujo nome, generosamente, não quiz indagar) julgara improcedente a acção intentada pela negra “por não achar ilegal que a Autora fosse, ao mesmo tempo, mãi e escrava de seu senhor”.

O Tribunal, para honra nossa, reformou a sentença, libertando a mulher, fundamentando o acordão em que ”nada havia mais repugnante e imoral do que o espetaculo de uma mãi sujeita ao cativeiro de seu proprio filho”.

Mas, se consola o nosso coração aflito a atitude reta e digna do Tribunal de segunda instancia, crispam-se-nos os nervos e contorcem-se-nos os musculos todos do rosto, num supremo rictus de nojo, ao verificar que não apenas o mulatinho, ou quem suas vezes fazia, tinha perdido o senso moral hereditário, qualidade que dizem ser apanágio da cultura da espécie, mas que tambem, para a conciência de um juiz do tempo, homem togado a que incumbiamos a defesa do patrimonio etico da comunhão social, podia, legal e licitamente, podia um filho manter a propria mãi no tronco dos seus escravos. Reconheçamos que não era possivel descer mais. A mentalidade brasileira, em materia de escravidão, raiava pela insânia. E uma instituição que determinava o aparecimento desses alarmantes fenômenos