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O PRECURSOR DO ABOLICIONISMO NO BRASIL
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de degenerescência, que era capaz de dar guarida á discussão jurídica de fatos desse jaez, que nos punham fóra não só da humanidade mas do proprio reino animal, que nos putrefizera os últimos resquícios de pudor, que nos apagara, no cérebro morbidamente desfibrado, os derradeiros vislumbres daquelas regras que haviam erigido a civilisação, uma instituição assim asquerosa, tinha de morrer. Precisava desaparecer. A reacção contra ela, era a luta pelo direito de continuarmos a viver como nacionalidade. Ou debelavamos a corrupção que nos gangrenava a alma, ou submergiriamos na noite trágica dos povos perdidos. Não havia alternativa.

Compreende-se, agora, Luiz Gama. Ponde esse temperamento de chama no centro do sistema social da época, fazei-o, com todos os seus antecedentes individuais de índole, de ambiente, de educação, a estação receptora de todas as mil vibrações de revolta, de insurreição, de rebeldia de todos os humilhados, de todos os sacrificados, de todos os injustiçados, imaginai-o o ponto de intersecção de todos os clamores de piedade, de justiça, de simples misericórdia que se vinham entrecruzar no seu coração amargurado, no seu cerebro compreensivo, na sua bilis exasperada, no seu odio impotente e tereis o deflagrar de sua personalidade vibrante, fremente, violenta, indobravel... Tinha de ser um genio, como o crismou Rui Barbosa. Foi o genio da coragem.