De ler tão longa e misera escriptura.
Soltava Eolo a redea e liberdade
Ao manso Favonio brandamente,
E eu a tinha ja sôlta á saudade.
Neptuno tinha pôsto o seu tridente;
A proa a branca escuma dividia,
Com a gente maritima contente.
O côro das Nereidas nos seguia;
Os ventos, namorada Galatêa
Comsigo socegados os movia.
Das argenteas conchinhas Panopêa
Andava por o mar fazendo mólhos,
Melanto, Dinamene, com Ligea.
Eu, trazendo lembranças por antolhos,
Trazia os olhos n’ágoa socegada,
E a ágoa sem socêgo nos meus olhos.
A bem-aventurança ja passada
Diante de mi tinha tão presente,
Como se não mudasse o tempo nada.
E com o gesto immoto e descontente,
Co’hum suspiro profundo e mal ouvido,
Por não mostrar meu mal a toda a gente,
Dizia: Oh claras Nymphas! se o sentido
Em puro amor tivestes, e inda agora
Da memoria o não tendes esquecido;
Se por ventura fordes algum’hora
Adonde entra o grão Tejo a dar tributo
A Tethys, que vós tendes por Senhora;
Ou ja por ver o verde prado enxuto,
Ou ja por colher ouro rutilante,
Das Tagicas areias rico fruto;
Página:Obras completas de Luis de Camões III (1843).djvu/166
167