Não lhe valeo escudo, ou peito d’aço,
Não ânimo d’avós claros herdado,
Com que temer se fez por longo espaço.
Não ver-se em de redor todo cercado
D’irados inimigos, qu’exhalavão
A negra alma do corpo traspassado.
Não as fortes palavras que voavão
A animar os incertos companheiros,
Que timidos as costas lhe mostravão.
Mas ja postos, nos termos derradeiros,
(Rotos por partes mil e traspassados
Os membros, no valor somente inteiros)
Os olhos (de furor acompanhados,
Qu’inda na morte as vidas amedrentão
Dos duros inimigos espantados)
Postos no ceo, parece que presentão
A alma pura á suprema Eternidade,
Por quem os ceos e a terra se sustentão.
E pedindo dos erros, que na idade
Immatura e innocente ja fizera,
Perdão á pia e justa Magestade,
As rosas apartou da neve fria;
E, como debil flor, a quem fallece
O radical humor de que vivia,
Nas mãos do Coro Angelico, que dece,
S’entrega; e vai lograr a vida eterna,
Que com morte tão justa se merece.
Vai-te, alma, em paz á gloria sempiterna;
Vai, que quem por a Lei sacra e divina
A sólta, áquelle a dá que o ceo governa.
Mas se de tal valor foi morte dina,
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