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SONETOS.


CXXXVIII.

Presença bella, angelica figura,
Em quem quanto o Ceo tinha nos tẽe dado;
Gesto alegre de rosas semeado,
Entre as quaes se está rindo a Formosura:

Olhos, onde tẽe feito tal mistura
Em crystal puro o negro marchetado,
Que vemos ja no verde delicado
Não esperança, mas inveja escura:

Brandura, aviso, e graça, que augmentando
A natural belleza co'hum desprezo,
Com que mais desprezada mais se augmenta:

São as prizões de hum coração, que prêzo,
Seu mal ao som dos ferros vai cantando,
Como faz a serêa na tormenta.



CXXXIX.

Por cima destas águas forte e firme
Irei aonde os Fados o ordenárão,
Pois por cima de quantas derramárão
Aquelles claros olhos pude vir-me.

Ja chegado era o fim de despedir-me;
Ja mil impedimentos se acabárão,
Quando rios de amor se atravessárão
A me impedir o passo de partir-me.

Passei-os eu com ânimo obstinado,
Com que a morte forçada gloriosa
Faz o vencido ja desesperado.

Em qual figura, ou gesto desusado,
Póde ja fazer medo a morte irosa
A quem tẽe a seus pés rendido e atado?