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SONETOS.
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CXL.

Tal mostra de si dá vossa figura,
Sibela, clara luz da redondeza,
Que as fôrças e o poder da natureza
Com sua claridade mais apura.

Quem confiança ha visto tão segura,
Tão singular esmalte da belleza,
Que não padeça mal de mais graveza,
Se resistir a seu amor procura?

Eu, pois, por escusar tal esquivança,
A razão sujeitei ao pensamento,
A quem logo os sentidos se entregárão.

Se vos offende o meu atrevimento,
Inda podeis tomar nova vingança
Nas reliquias da vida que ficárão.



CXLI.

Na desesperação ja repousava
O peito longamente magoado,
E, com seu damno eterno concertado,
Ja não temia, ja não desejava;

Quando huma sombra vãa me assegurava
Que algum bem me podia estar guardado
Em tão formosa imagem, que o traslado
N'alma ficou, que nella se enlevava.

Que credito que dá tão facilmente
O coração áquillo que deseja,
Quando lhe esquece o fero seu destino!

Ah! deixem-me enganar; que eu sou contente;
Pois, postoque maior meu damno seja,
Fica-me a gloria ja do que imagino