Se me vem tanta gloria só de olhar-te,
He pena desigual deixar de ver-te;
Se presumo com obras merecer-te,
Grão paga de hum engano he desejar-te.
Se aspiro por quem es a celebrar-te,
Sei certo por quem sou que hei de offender-te;
Se mal me quero a mi por bem querer-te,
Que premio querer posso mais que amar-te?
Porque hum tão raro amor não me soccorre?
Oh humano thesouro! oh doce gloria!
Ditoso quem á morte por ti corre!
Sempre escrita estaras nesta memoria;
E esta alma viverá, pois por ti morre,
Porque ao fim da batalha he a victoria.
Sempre a Razão vencida foi de Amor;
Mas, porque assi o pedia o coração,
Quiz Amor ser vencido da Razão.
Ora que caso póde haver maior!
Novo modo de morte, e nova dor!
Estranheza de grande admiração!
Pois, em fim, seu vigor perde a affeição,
Porque não perca a pena o seu vigor.
Fraqueza, nunca a houve no querer;
Mas antes muito mais se esforça assim
Hum contrário com outro por vencer.
Mas a razão que a luta vence, em fim,
Não creio que he razão; mas deve ser
Inclinação que eu tenho contra mim.