Assustados fugimos; ele, o tronco
Todo em sangue arrancado, o lança fora
Na veemencia da dor, bramando horrível
Pelos Cyclopes, que em vizinhas grutas
Sobre ventosos cumes habitavam.310

Aos gritos acudindo, eles á entrada
O que o aflige indagam: «Polifemo,
Porque a noite balsâmica perturbas
E nos rompes o sono com tais vozes?
Acaso ovelha ou cabra te roubaram,315
Ou por dolo ou por força alguém matou-te?»

«Amigo, do antro Polifemo disse,
O ousado que por dolo, não por força,
Matou-me, foi Ninguém.» — Replicam logo:
«Se ninguém te ofendeu, se estás sozinho,320
Morbos que vem de Jove não se evitam;
Pede que te alivie ao pai Neptuno.»
Com isto vão-se andando, e eu rio n’alma
De que meu nome e alvitre os enganasse.
Gemebundo o Cyclope e dolorido,325
Trêmulo apalpa, e removendo a pedra,
Senta-se á boca do antro, as mãos estende
A apanhar quem saísse entre as ovelhas.
Ele cria-me estulto; eu cogitava
Com que ardil me livrasse e os meus da morte330
Horrorosa e iminente, e o plano formo:
Três a três ligo tácito uns carneiros
De lã violáceas, grandes e alentados,
Com retorcido vime, em cujos feixes
Dormia o monstro; no do meio ajeito335
Um socio, que os dous outros conduzissem;
Do maior da manada abraço o tergo,
E ao ventre submetendo-me veloso,
Firme ao tosão me implico e me penduro.
Carpindo á espera da manhã velamos.340

No arrebol urge o dono ao pasto os machos,
Dentro a balar as fêmeas de ubres tesos,
E em dores, á passagem, do que pára
O dorso afaga, néscio de que os socios
Iam ligados aos lanudos peitos.345