eu dele me tenho servido em várias ocasiões (posto que não venha no dicionário) por ter menos sílabas e se acomodar melhor ao verso.

246 — A palavra corja é baixa, como o é omilos do grego; mas está posta na boca de um porqueiro. Por esta ocasião, direi que admiro a maneira por que Homero, neste livro e no antecedente, exalta o pobre Eumeu, descrevendo as suas nobilissimas qualidades. Os principalmente da escola do século de Luís XIV, v. g. Laharpe, que todavia não era um grande fidalgo, não admitiam um humilde figurando nos dramas sérios ou nas tragédias: nestas, lhes eram precisos reis, imperadores, sumos- sacerdotes, generais, duques (os marqueses por má sorte foram degradados para as comédias), condes, barões ou pelo menos cavalheiros e ainda os capitães da guarda real. Assim, Laharpe, louvando no Pai de Famílias de Diderot o caráter cômico do marechal, diz positivamente que não lhe agradam tragédias caseiras, consagrando a regra arbitrária de Aristóteles; como se o sublime e o patético só pudessem vir das elevadas condições sociais, como se todas as dores humanas não comovessem os corações. O dramático de Inglaterra, os nossos bons contemporâneos, razoavelmente se desataram de tais preceitos; muitos porém cuidam que todos os antigos eram desta errônea opinião: basta lermos Homero para nos capacitarmos do contrário. O sublime vem da alma, as virtudes e os generosos conceitos são de todas as classes; e até parece que, se uma família por causa do lustre do sangue não se retempera no popular, acaba ás vezes por ficar estúpida e insensível, e por conseqüencia, incapaz de grandes pensamentos. Eu conheço uma onde, casando sempre entre si os parentes, abundam mentecaptos; conheço outra, que, pela mesma razão, tem tomado um tipo e figura particular, e está bem longe de poder servir de modelo a pintores e escultores. Perdoem-me a digressão.

283-285 — Os tradutores, em geral de países onde felizmente não há escravos, conceberam mal esta passagem: Homero não diz que eles comessem á mesa da senhora, sim em presença da senhora; se comiam na mesma sala, era em mesa separada. No Maranhão, quando se jantava sem hospedes, os crioulinhos (os meninos escravos nascidos em casa) estavam de roda; e os senhores, sobretudo os outros meninos, repartiam com eles do melhor, para que exclusivamente não comessem do sustento mais grosseiro dos escravos maiores. Eu em pequeno tinha um chamado Genésio a quem, por anterior promessa, deixava no prato uma porção de doce ou de outra iguaria escolhida para o que me serviam abundantemente. Em todas as famílias o mesmo acontecia, e consta-me que ainda acontece: isto prova que, apesar das preocupações, a natureza reluta e pugna pela fraternidade dos homens todos; e no coração dos meninos, mais singelo e menos orgulhoso, é que se levanta e brada com mais força. A ilustrissima e patriótica autora do Rancho do tio Tomé, acima do mesmo Bernardin de Saint-Pierre, descreve algumas das cenas entre senhores e escravos com verdade e exatidão; e vários Europeus a têm por exagerada por ignorarem os costumes e usos de que trata no seu livro admiravel. A escravidão no tempo de Homero, menos dura que em Roma, se assemelhava mais á do nosso Brasil; contudo,