ao bravo pensam,
Vedam-lhe por encantos o atro sangue;
Curam-no em casa, e dele satisfeitos,
Ledo com riscos dons á patria o mandam.
Laertes e Antícléia, jubilosos,350
Da cicatriz a causa e tudo inquirem;
No Parnaso elle conta que o mordera,
Junto a seus tios, javali terrível.

Palpando, a cicatriz conhece a velha,
Nem pode o pé suster; cai dentro a perna,355
E a bacia retine e se derrama.
Dor a assalta e prazer; nos olhos água,
Presa ás fauces a voz, lhe afaga o mento,
E balbucia enfim: «Tu és, meu filho,
És Ulysses; depois que te hei palpado,360
Ora por meu senhor te reconheço.»

E olhou para Penélope, o dileto
Marido a lhe indicar; mas, por Minerva
Distraída, a senhora o não percebe.
Da destra elle sustendo-lhe a garganta,365
A si da esquerda a puxa: «Ama, a teus peitos
Amamentado, queres tu perder-me?
Volto ao vigésimo ano, após mil transes;
Mas, já que um nume to mostrou, silêncio,
A ninguém me delates. No imo o estampes:370
Se me der Jove debelar soberbos,
Não pouparei culpada a nutriz mesma,
Furioso a todas que o palacio ymphamem.»

«Filho, acode Euricléia, que proferes
Do encerro desses dentes? Inflexível375
Tu bem sabes que sou, qual pedra ou ferro.
Toma sentido: a permittir-te Jove
Soberbos debelar, as que te mancham
A casa apontarei.» — De pronto Ulysses:
«Ama, nem é mister, nem te isso cabe;380
Toca-me descobri-las e julgá-las.
Guarda o segredo, e o mais aos deuses fique.»

Sendo o primeiro banho extravasado,
Sai pela sala a velha em busca de outro,
E o lava e unge; o herói senta-se ao fogo385