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OS MAIAS

já ha mezes. Havia uma procissão e o Eusebiosinho ia de anjo... As Silveiras, excellentes mulheres, coitadas, mandaram-n’o cá para o mostrar á viscondessa, já vestido de anjo. Pois senhores, distrahimo-nos, e o Carlos que o andava a rondar apodera-se d’elle, leva-o para o sotão, e, meu caro Villaça... Em primeiro logar ia-o matando porque embirra com anjos... Mas o peior não foi isso. Imagine você o nosso terror, quando nos apparece o Eusebiosinho aos berros pela titi, todo desfrizado, sem uma aza, com a outra a bater-lhe os calcanhares dependurada de um barbante, a corôa de rosas enterrada até ao pescoço, e os galões de ouro, os tulles, as lentejoulas, toda a vestimenta celeste em frangalhos!... Emfim, um anjo depennado e sovado... Eu ia dando cabo do Carlos.

Bebeu metade da sua soda, e passando a mão pelas barbas, accrescentou, com uma satisfação profunda:

— ­É levado do diabo, Villaça!

O administrador, sentado agora á borda de uma cadeira, esboçou uma risadinha muda; depois ficou calado, olhando Affonso, com as mãos nos joelhos, como esquecido e vago. Ia abrir os labios, hesitou ainda, tossio de leve; e continuou a seguir pensativamente as faiscas que erravam sobre as achas.

Affonso da Maia, no entanto, com as pernas estiradas para o lume, recomeçara a fallar do Silveirinha. Tinha tres ou quatro mezes mais que Carlos, mas estava enfesado, estiolado, por uma educação á portugueza: